São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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Fim da pilhagem, início do comércio

Já nos últimos anos da vida de Morgan, entretanto, surgiram reclamações sobre a inadequação de ele ocupar cargos oficiais na Jamaica, e, sob diversos aspectos, ele passava a ser identificado como o caribenho de um tempo mais remoto em uma época em que as perspectivas para pilhagens free-lance estavam rapidamente diminuindo. O cultivo de cana-de-açúcar expandia-se rapidamente nas Índias Ocidentais, bem como o consumo de açúcar na Inglaterra e igualmente a importação de escravos da África.
Os comerciantes e mercadores de escravos, apoiados por poderosos interesses comerciais e políticos em Londres, Bristol e Liverpool, não tinham tempo para os bucaneiros; e, depois da assinatura do Tratado de Utrecht em 1713, os ingleses obtiveram o direito formal (o Asiento) de fornecer escravos aos mercados hispano-americanos. Nesse começo do século 18, os britânicos estavam aprendendo, assim como os franceses, que era mais fácil subverter o império espanhol por dentro do que atacá-lo em alto-mar. Era mais vantajoso usar os créditos dos comerciantes ingleses para assumir controle indireto do comércio hispano-americano, contrabandear e fazer escambo na costa da América do Sul e Central do que saquear e destruir clientes em potencial. E os piratas não mais restringiam seus ataques aos espanhóis. Como a riqueza e poder estavam em novas rotas marítimas atlânticas, os ingleses passaram a ser o alvo de ataques piratas.
Perto de 1720 -época do auge da atividade de pirataria no Atlântico-, acreditava-se que os piratas somassem perto de 2.000 ao todo, porém, em uma década, estariam reduzidos a menos de 200.
Tão logo o governo inglês decidiu responder energicamente, pouca chance restou aos piratas. A marinha real contava, em 1718, com 77 navios de carreira, e mesmo os menores dentre esses dispunham de 50 canhões, iguais em força ao Queen Anne's Revenge (A Vingança da Rainha Ana), do Barba Negra, a maior embarcação pirata. Em 1700, mudanças na legislação tornaram possível, a partir de então, tentar impor pena de morte nos tribunais de vice-almirantados ultramarinos.
Um dos primeiros casos aconteceu em Boston, em 1704, quando John Quelch, depois de pilhar toda a costa do Brasil, cometeu o erro de retornar ao porto de Marblehead, onde confiscara seu navio. Quelch e mais seis de sua tripulação foram condenados à morte. Depois de uma saraivada de sermões do reverendo Cotton Mather, foram enforcados na praia, no cabo de Hudson.
Obedecendo à autoridade do lorde comandante-chefe, todos esses enforcamentos ocorreram em cadafalsos armados "dentro da faixa de ocorrência de maré alta", visto que seu poder era exercido até a linha da maré baixa. Entre 1716 e 1726, 400 homens acusados de pirataria foram enforcados por decisão de tribunais como esse, em toda a extensão do litoral atlântico, de Port Royal a Barbados, New Providence, Londres, e de Boston à costa do Cabo, no litoral oeste da África.
O capitão Woodes Rogers, famoso ex-corsário, foi enviado a New Providence como governador das Bahamas, em 1718, a pedido dos comerciantes de Bristol e Londres, provando ser um dos mais eficazes flagelos dos piratas. Woodes Rogers, acompanhado do bucaneiro William Dampier, havia capturado um galeão de Manilha, em 1709, um dos dois únicos corsários ingleses a fazê-lo e, circunavegando o globo, retornou a Londres em 1711, trazendo ouro em barra, pedras preciosas e seda, avaliados em 800 mil libras inglesas. Após a década de 1730, os piratas foram mais bem acolhidos por romancistas e dramaturgos: o comércio substituíra a pilhagem.
Mesmo assim, como resultado da rica combinação de fato e ficção do começo do século 18, o gênero pirata floresceu, fazendo com que as obras de J.M. Barrie e Robert Louis Stevenson fossem vendidas juntamente com aventuras de detetives amadores imbuídos de seriedade e caçadores de tesouro. Nelas, arcas provenientes dos antigos mares tinham compartimento secreto e borrões suspeitos de tinta em velho mapas eram considerados representações simultâneas de atóis no Pacífico, ilhotas na costa da Indochina ou das ilhas Gardiner, na ponta de Montauk. As primeiras narrativas piratas do século 18, naturalmente enxugadas um pouco, foram incorporadas à Disney World e dezenas de filmes B de Hollywood.
Fiquei encantado ao encontrar, um dia desses, meu tão manuseado "A Ilha do Tesouro", um presente de meu pai quando eu tinha sete anos. Trouxe-me de volta lembranças de perambulações no verão, no litoral e baía de Devon e Cornualha (Inglaterra).
Certamente com a intenção de me manter quieto, costumava me prometer que, na ponta de uma praia terminando em sebe densa, ou depois de um promontório recoberto por samambaias, ou ainda no canto de uma ilhota ou enseada rochosa, poderíamos encontrar a estalagem do almirante Benbow.
Para os garotos que viviam no oeste da Inglaterra, Drake, Hawkins, Raleigh e outros tantos lobos do mar, saqueadores, contrabandistas e piratas, reais ou imaginários, eram parte da cultura popular. Cordingly começou, em algum nível, a esclarecer e desmascarar essa rica herança imaginada. Assim, foi um alívio descobrir em seu livro, passados todos esses anos, que a estalagem do almirante Benbow pode não ter existido, mas que o almirante John Benbow por aqui andou. Opositor dos piratas, dos espanhóis e dos franceses, ele morreu heroicamente perto de Cartagena, em 1702, após ter tido sua perna direita destroçada por balas de palanqueta e ter se recusado a abandonar o tombadilho.

Notas: 1. "Captain Kidd an the War against the Pirates", de Robert C. Ritchie, Harvard University Press, 1986; "Between the Devil and the Deep Blue Sea - Merchant Seamen, Pirates and the Anglo-American Maritime World, 1700-1750", de Marcus Rediker, Cambridge University Press, 1987; "The Sack of Panama - Sir Henry Morgan's Adventures on the Spanish Main", de Peter Earle, Viking, 1982; "The Wooden World - An Anatomy of the Georgian Navy", de N.A.M. Rodger, Naval Institute Press, 1986;
2. "Pirates! An A-X Encyclopedia - Brigands, Buccaneers, and Privateers in Fact, Fiction, and Legend", de Jan Rogozinski, Da Capo, 1996;
3. "A Ilha do Tesouro", de R.L. Stevenson, Verbo, 1995, 200 págs (nota da tradutora);
4. "Sodomy and the Pirate Tradition - English Sea Rovers in the Seventeenth Century Caribbean", de B.R. Burg, New York University Press, 1983;
5. "Jolly Rogers", in "The New York Review of Books", 12/5/1983;
6. "Pirates!", págs. 217-218.

Tradução de Claudia Strauch.

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