São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997 |
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Falta dente, sobra sarampo
ELIANE CANTANHÊDE Brasília - No país do real e das dentaduras, o que está fazendo furor mesmo é o sarampo.Os casos confirmados aumentaram quase 6.500% em relação a 96 -e isso não é um erro de digitação. O sarampo é democrático, porque pega em todas as faixas sociais. O que definitivamente não é democrático é o resultado. Os gordinhos saudáveis que vivem em boas condições de higiene têm febre, mal-estar, umas pipocas pelo corpo, mas se salvam. Os magrinhos desnutridos que moram em barracos podem até morrer. Ex-diretor da Organização Pan-Americana de Saúde e ex-diretor da Organização Mundial de Saúde para as Américas, o sanitarista Carlyle Guerra de Macedo acusa: "Foi desídia". Quer dizer: foi descaso, negligência, inércia, descuido. E pede que o assunto não saia das páginas dos jornais. Ele morou anos e anos fora do país e se entristece ao constatar na volta, já aposentado, que há mais de dois anos os técnicos alertam para a situação e nada foi feito. "É impossível argumentar com falta de dinheiro", descarta Carlyle. Vacinar não é tão caro assim e se justificaria até do ponto de vista econômico -para os que acham um tanto pueril raciocinar em termos sociais. É simples: literalmente, sai mais barato prevenir do que remediar. Afinal, o que faltou? Faltou ouvir os técnicos, os que estão na ponta. "Esse excesso de confiança e essa auto-suficiência são da cultura recente brasileira e, sobretudo, do atual governo. As pessoas que estão no poder se sentem donas da verdade. Quando alguma coisa não é agradável, elas simplesmente se recusam a ouvir", diz. E faz um novo alerta: são insuficientes as vacinações previstas só nas crianças das áreas periféricas de onde há surto. O ideal seria a vacinação em massa das crianças até seis anos e dos adultos entre 20 e 35. Diz a experiência que é melhor pecar pelo exagero do que pela omissão. Antes que o surto vire epidemia e que, depois do frango, do iogurte e da dentadura, só se fale do sarampo durante a campanha de 98. Texto Anterior: Nós, os abutres Próximo Texto: Somos todos inocentes Índice |
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