São Paulo, domingo, 7 de setembro de 1997
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Somos todos inocentes

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Li, em velho tratado sobre a melhor maneira de levar a vida, a máxima atribuída a Macarius Pelotinensis, um devasso do século 5 que depois se tornou eremita e morreu em cheiro de santidade. A máxima era um mínimo: "Devemos amar palavras velhas e mulheres novas".
Bem, naquilo que me concerne, estou mais ou menos por dentro da sabedoria desse tal Macarius. Desconfio das palavras novas. Suportei com educação o verbo "agilizar", muito usado por executivos que se sentiam "up to date", Ali Babás modernos que abriam a caverna dos tesouros com a invocação do Sésamo vocabular.
Com o verbo "otimizar" embirrei mais um pouco. Nunca o usei e não gosto quando o usam. Que fazer? A linguagem é dinâmica, feita pela plebe etc. etc. Não iria pedir o meu boné e me retirar da lide humana por tão pouco.
Agora, o verbo "alavancar" é dose, está acima de minhas forças resistir. Considero-me insultado quando o usam contra mim. Já proibi um amigo de me dirigir a palavra -qualquer palavra- desde que ele me pediu um prefácio para alavancar o livro de poemas que havia cometido em louvor de sua mãe. Mandei-o alavancar a mãe. Por sinal, uma santa senhora que não merecia tal filho e tais poemas.
*
Agilizando a crônica, otimizando o texto e alavancando o próprio cronista, eis que zarparei, via aérea, para merecido repouso dos leitores (se os há), e durante o mês todos folgaremos, que folgar é preciso. O mais recente evento (a morte de lady Di) continua em cartaz, mas para mim já cansou.
Fico bem ficando com o Janio de Freitas, que disse tudo a respeito do caso: se todos são culpados (mídia, paparazzi, motoristas bêbados, povo em geral e a própria lady), ninguém é culpado de nada. Somos todos inocentes. Sempre desconfiei disso.

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