São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 1997
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Sobre presidentes e dentaduras

MARCO MANFREDINI

A reflexão sobre indicadores de eficácia de planos de estabilização econômica ganhou notável contribuição do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, em recente entrevista coletiva. Ao incorporar a dentadura à galeria dos "heróis" do Plano Real, substituindo o frango e o iogurte, o presidente inovou na construção de instrumentos de avaliação. Ao contrário de frangos e iogurtes, que podem ter seu consumo mensurado segundo padrões de mercado e séries históricas, a posse de dentaduras, até o momento, não é objeto de mensuração de índices da Fipe, FGV, IBGE ou Dieese.
Os dados disponíveis sobre necessidade e posse de dentaduras no país não são atualizados desde 1986 pelo Ministério da Saúde, o que impede a realização de qualquer comparação com seriedade e isenção.
Em relação à ausência total de dentes (edentulismo), os dados de 1986 são dramáticos. Segundo observações do professor Vitor Gomes Pinto, responsável pelo levantamento, 20% dos brasileiros estavam edêntulos aos 41 anos de idade.
Uma vez que a saúde bucal da população foi objeto da preocupação presidencial apenas no 32º mês do seu governo, fruto de uma frase espirituosa, mas não calcada em dados fidedignos, apontamos algumas medidas que poderiam contribuir para uma melhoria nos padrões de saúde bucal.
A principal delas é a garantia da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) no país, apoiando as diversas experiências municipais e estaduais que vêm reduzindo a prevalência da cárie dental em crianças, baseadas na fluoretação das águas de abastecimento público e no desenvolvimento de programas preventivos.
Outra ação é o financiamento para a expansão da rede assistencial, possibilitando que a população adulta tenha acesso a tratamentos odontológicos.
Outra medida oportuna é o cumprimento da norma constitucional que determina que o sistema público de saúde ordene a formação de recursos humanos. Os ministérios da Saúde e da Educação devem assumir as suas responsabilidades, regular o processo de abertura de novas faculdades e, em alguns casos, reduzir o número de alunos em curso.
Não precisamos de um "pai da pátria". Queremos apenas um governo que desenvolva uma agenda social que nos permita, um dia, não ter que ficar comparando percentuais de desdentados a frangos e iogurtes.

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