São Paulo, sábado, 13 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vespeiro do mercado

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A sigla Cade tem estado presente no noticiário com frequência muito maior que em outros tempos. Na briga da Antarctica pela parceria com a produtora da cerveja Budweiser e na decisão contrária à parceria entre a Brahma e a Miller, o reino das bebidas parecia um vespeiro, porque foram submetidos ao Cade os argumentos de poderosos disputantes, buscando decisões compatíveis com os fins determinados por seu nome: Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Antes, a agitação dominou o mundo dos cremes dentais, com a final aceitação de que o nome Kolynos saia de foco durante alguns anos, em virtude de acordo entre indústrias desse segmento. Tudo relacionado com a importância assumida por aquele órgão depois que a lei de sua organização foi mudada.
Mais recentemente, Gesner Oliveira, na presidência do Cade, pôs a mão em outro vespeiro, quando criticou certas profissões, regulamentadas por leis que geram reservas de mercado. No entender dele tais leis não devem subsistir, salvo "em casos que envolvam a segurança da população". Entre essas profissões, duas são particularmente sensíveis: a advocacia e o jornalismo, para não falarmos dos economistas, dos engenheiros, dos arquitetos e de tantos outros. Gesner sugeriu a abertura desses mercados, dispensando a intervenção exclusiva de profissionais com título universitário e com registro em seus órgãos corporativos.
Considerando que regras sobre a defesa do equilíbrio econômico e dos mercados existem no ordenamento legal brasileiro há decênios, o leitor se perguntará por que, de repente, o Cade começou a aparecer mais do que antes. A explicação mais direta decorre da lei nº 8.884, geralmente referida como lei antitruste. Editada há três anos, passou a cominar penas muito fortes para empresas que ofendam os preceitos da concorrência leal e da competição equilibrada, abusando do poder econômico e, assim, sejam alvo das competências do conselho de defesa econômica.
A sociedade precisa tomar conhecimento de que há em operação um sistema burocrático de resguardo da concorrência equilibrada e que, desde a lei nº 8.884, tem meios para dificultar a deslealdade escancarada entre empresas e, em sentido mais amplo, para proteger os consumidores contra práticas abusivas. São dois segmentos funcionais distintos do sistema, sendo um vinculado ao Ministério da Fazenda (a Secretaria de Acompanhamento Econômico) e outro ao Ministério da Justiça (a Secretaria de Direito Econômico), em cujo conjunto se encontra o Cade como autarquia integrada por seis conselheiros e um presidente (com mandato de dois anos).
No que se refere à reserva de mercado para certas profissões, a Folha tem defendido essa posição quanto aos jornalistas, contrária à imprescindibilidade do diploma, que os sindicatos profissionais defendem. Quanto aos advogados, a OAB já invocou a Constituição, que faz da advocacia função essencial à prática da Justiça.
Todavia, é preciso reconhecer que a regulamentação profissional nada tem a ver com o Cade, mas assegura, como um de seus efeitos na área atingida, a preservação do espaço de trabalho para uns poucos. Compreende-se que assim seja, para ficar em um exemplo clássico, na qualificação profissional imposta aos médicos, tornando imprescindível formação universitária e registro, restritivos do ingresso de quem não satisfaça tais requisitos. A questão a ser discutida, porém, é do exagero das regulamentações que, no pêndulo da história, terminará em prejuízo dos próprios trabalhadores.

Texto Anterior: Ser menino de rua é uma droga
Próximo Texto: Resgate foi feito sem consulta à família
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.