São Paulo, sábado, 13 de setembro de 1997
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A crise nos Estados e os gastos sociais

RICARDO ERNESTO VASQUEZ BELTRÃO

Parecem restar poucas dúvidas a respeito de que, na atual conjuntura, o nível estadual de governo é o que apresenta maiores dificuldades de caixa no Brasil. Vários são os fatores que contribuíram para que esse cenário viesse tomando forma. Entre eles destaca-se o desenho federativo consolidado com a Constituição de 1988, caracterizado pela inequívoca descentralização das políticas sociais em diversas áreas. Transferiu-se, assim, para Estados e municípios parcela significativa da execução das ações em áreas como saúde, habitação e assistência social, apenas para citar aquelas nas quais durante o regime militar a atuação do nível federal era mais forte.
Pressionados pela conjuntura de uma moeda estável e, mais recentemente, pelos limites ao lançamento no mercado de títulos da dívida pública, os Estados e municípios vêm enfrentando dificuldades crescentes para manter o equilíbrio entre as despesas e as receitas, mesmo em um contexto de contínuo incremento destas últimas, propiciado principalmente pelo reaquecimento econômico pós-Plano Real.
Ilustrativo dessas dificuldades é o aumento do agregado das dívidas públicas estaduais e municipais, que saltaram de 7,9% do PIB, em dezembro de 1991, para 12,1%, em julho de 1996. Assim é que, nesse período, esses dois níveis de governo tiveram sua participação ampliada de menos de um quinto para mais de um terço do total da dívida pública brasileira.
Durante o longo período inflacionário, o "saneamento" das contas públicas no curto prazo passava, invariavelmente, pelo sistemático atraso dos pagamentos a fornecedores e, sobretudo, pela adoção do mecanismo de arrocho salarial do funcionalismo, por meio da não-correção dos vencimentos pelos índices inflacionários.
Esse mecanismo foi ainda mais importante no caso dos governos estaduais, responsáveis por aproximadamente 50% dos gastos do Estado brasileiro com salários e encargos da administração pública.
Essa significativa fatia dos dispêndios com pessoal explica-se, principalmente, pelas próprias atribuições desse nível de governo nas políticas públicas. Além da saúde, outras áreas, como educação e segurança pública, permanecem, na prática, ainda fortemente "estadualizadas", seja por determinação legal, seja porque os processos de municipalização são gestados em ritmo mais lento do que seria desejável.
Como se sabe, os custos de serviços nessas áreas não são nada pequenos, sobretudo porque eles envolvem necessariamente considerável volume de recursos humanos. E, sem professores nas salas de aula, médicos e enfermeiros nos postos de saúde e hospitais e policiais nas ruas, a garantia de alguns dos mais elementares direitos dos cidadãos sofre sérios prejuízos.
Apesar da reconhecida precariedade dos serviços nessas áreas, no enfrentamento de suas dificuldades de caixa muitas das atuais gestões estaduais já lançaram mão de saídas variadas para o enxugamento dos quadros, como a não-reposição de pessoal quando de desligamento ou aposentadoria de servidores, programas de demissão voluntária, extinção de contratos temporários etc.
Desse esforço resultou que, em 15 Estados para os quais foi possível apurar os dados, as máquinas públicas sofreram um corte de aproximadamente 430 mil trabalhadores apenas nos dois primeiros anos dos atuais governos, equivalendo à diminuição (considerável) de 18% nos quadros do setor público estadual.
O problema é que, além da necessidade urgente de melhoria dos serviços, o que implica investimentos em capacitação e principalmente em recuperação salarial, outros problemas, como a elevada taxa de juros e o inevitável crescimento dos gastos com os inativos, são limites estruturais que evidenciam a fragilidade do enxugamento das máquinas como "a solução" para a combalida saúde fiscal dos Estados, sobretudo a médio e longo prazos.
É por isso que a necessária recuperação dos Estados passa pelo enfrentamento de questões relacionadas à reforma do sistema previdenciário do funcionalismo, pelo combate decidido às enormes e injustas desigualdades salariais no interior da máquina pública, por uma ampla negociação que busque um redesenho da distribuição das receitas públicas e das atribuições entre os três níveis de governo e, principalmente, pelo firme combate à sonegação fiscal.
A experiência dos cortes de gastos nas áreas sociais já demonstrou, no período recente, seu curto fôlego, pois mesmo com a considerável diminuição dos quadros de pessoal as dificuldades orçamentárias dos Estados só aumentaram. Além disso, essa "economia" de recursos resulta, quase sempre, na precarização dos serviços.
É preciso entender que a contínua queda nos padrões de qualidade e nos níveis de cobertura da oferta pública de políticas nas áreas de educação, saúde e segurança terá sempre impactos sociais e econômicos negativos, cujos custos recairão, necessariamente, sobre a própria sociedade. Daí a urgência de pensarmos soluções para a crise das finanças estaduais que considerem alternativas menos traumáticas que o mero corte de servidores públicos.

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