São Paulo, sábado, 13 de setembro de 1997 |
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Bienal prepara nova estratégia da aranha
CELSO FIORAVANTE
Elaborado a partir da discussão dos processos antropofágicos de formação da identidade artística e cultural brasileira, o plano de artistas se desenvolve como uma teia, em que eles se inter-relacionam a partir de linhas tênues, detectáveis em vários níveis de percepção. "Nossa cultura não busca a identidade. A antropofagia é o exercício da identidade", disse Herkenhoff. A pintora brasileira Tarsila do Amaral se porta nessa teia como o aracnídeo fecundado, responsável, a partir de sua cópula com o "Manifesto Antropofágico", de Oswald de Andrade, pela confecção da armadilha estética que absorverá e unirá seus artistas. O "Manifesto", por sua vez, é o macho que, depois de realizado seu papel, é devorado e se revelará na produção desses artistas. Assim, segundo o curador Paulo Herkenhoff, a cor telúrica das imagens de Tarsila vai se relacionar com a cor dos arrabaldes presente nos geometrismos de Volpi que por sua vez se ligará à cor urbana -em tensão com a sociedade- de Hélio Oiticica. Esse último, por sua vez, pode remeter ainda à cor que ganha conotação política, como na obra "Desvio para o Vermelho", de Cildo Meireles. "Mais interessante que um tema seria trabalhar um conceito com conteúdo cultural e político. A antropofagia permite pontos de contato com antecedentes europeus. Esse não é um tema, mas um conceito histórico de formação de uma identidade não-eurocêntrica", disse Herkenhoff. O diálogo entre artistas e culturas se revela também na seleção de artistas como o holandês Albert Eckhout, que detectou e registrou a formação da identidade brasileira a partir de uma canibalização de culturas diversas, algo que o curador espanhol Santiago B. Olmo cita em seu texto no último número da revista espanhola "Lapiz", sobre arte brasileira. "A idéia de assimilação da antropofagia deve ser entendida com as características dos processos gástricos, em que cada elemento devorado é integrado para formar parte do corpo, reinterpretado, mas mantendo suas características específicas", escreveu Olmo. O paralelo poderia ainda ser estabelecido com a teia da aranha, que, apesar de aparentemente finalizada, está sempre pronta para incorporar e absorver o visitante que caia em sua trápola. A aranha esteve na última edição da Bienal e se tornou a vedete do evento. A sala da artista francesa, radicada nos EUA, Louise Bourgeois contou com uma enorme escultura em bronze que acabou ficando no Brasil, comprada pelo banco Itaú. A sala tinha curadoria do Paulo Herkenhoff. Bourgeois volta no ano que vem, não com uma sala, mas com uma obra pontual: "Destruction of the Father". A escultura remete novamente ao universo de alguns aracnídeos, como a viúva-negra, em que o pai é destruído, a partir de um processo antropofágico, mesmo antes do nascimento do filho. A aranha é um animal que se molda bem à Bienal e às artes em geral, pois, assim como o artista, é adepto da criação solitária, que tenta dar consistência física para aquilo que, inicialmente, é só idéia, desejo ou espírito. Texto Anterior: Brahms soa próximo com orquestra de Hamburgo Próximo Texto: Época foi embrião de movimentos culturais Índice |
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