São Paulo, sábado, 13 de setembro de 1997
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Navegar é preciso

ALBERTO GOLDMAN

A questão poderia ser respondida "em termos" ou "não", dependendo do que se entende por "reformas políticas". Por exemplo, o que a Câmara fez com a lei eleitoral, que deveria ser parte da reforma política, é uma anti-reforma. Ao entregar recursos públicos e tempo nos meios de comunicação às legendas de aluguel (basta um deputado e já viram partidos), permitindo-lhes coligações para eleições proporcionais e a ampliação das vagas de candidatos, deu-lhes alento e instrumentos para continuarem a realizar seus negócios.
Para isso, juntaram-se aos nanicos o PT, o PMDB e o PPB, que jogaram ao lixo seus princípios em nome de alguns segundos a mais nas suas campanhas eleitorais. Tudo sob um manto alvo e puro, para evitar que as empresas influam, por intermédio do dinheiro, no resultado eleitoral.
Demagogia e hipocrisia, cujo resultado será a pulverização ainda maior dos partidos (ou cartórios eleitorais?), com consequências para a estabilidade política do próximo governo, qualquer que seja ele.
Mas esse Congresso que aí está, produto de uma estrutura política e eleitoral iníqua, com partidos que pouco dizem e deputados sem votos (se cassarem mais alguns do Acre, vão acabar faltando suplentes), só poderia se reproduzir ou produzir algo pior.
De qualquer forma, enquanto não tivermos partidos políticos autênticos, não dá para dar dinheiro para aventureiros (claro, nem todos o são).
Se deixarmos ao Congresso ordinário a tarefa de realizar as reformas políticas nada sairá de bom, pois seus membros não vão decretar a própria morte. Vejam-se o voto distrital, a representação proporcional dos Estados, o limite mínimo de votos para um partido ser reconhecido como tal no Parlamento, a estrutura democrática interna dos partidos e a fidelidade partidária.
Enfim, tudo que tem de ser reformado só o será por um corpo constituinte e, a meu ver, autônomo em relação ao Congresso ordinário, sem vasos comunicantes com ele. Elege-se um Congresso constituinte só para isso; terminada a obra, os membros voltam para casa.
Sei que a tarefa é difícil, quase utópica. Mas lembro-me bem, em 1977, de quando Geisel fechou o Congresso e impôs mudanças por atos institucionais. Fui ao saudoso Ulysses Guimarães e lhe disse: "Depois dessa, presidente (do então MDB), só mesmo uma Assembléia Constituinte". Ele respondeu: "Cuidado, filho. Essa coisa de Constituinte é muito perigosa".
Onze anos depois, ele promulgava a nova Constituição. E, como antes e como sempre (ainda que seja necessário viver), navegar também é preciso.

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