São Paulo, sábado, 13 de setembro de 1997
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Entre o fato e o limite

RENATO LESSA

A escassez de espaço exige a presunção de clareza: a reforma política já ocorreu. A despeito da adoração estética pelo sistema eleitoral em vigor na Alemanha, há um fato incontornável: o Executivo já obteve do Congresso a reforma política que julga prioritária, a que introduz na Constituição o princípio da reelegibilidade dos cargos executivos.
O que resta a fazer é acessório: definir as regras da grande eleição de 1998, que deve ser bem rápida e simples, para não atrapalhar "o que o Brasil quer". Tudo muito democrático e radical. Dito isso, passemos à pergunta em questão.
Se a alteração de itens constitucionais, ressalvadas as cláusulas pétreas, exigisse a convocação de Congressos constituintes -invenção brasileira dos anos 80-, nossas taxas de bizarria institucional, com certeza, atingiriam a estratosfera.
Os parlamentares brasileiros, como sabemos, têm a atribuição legítima de modificar a Constituição, nos casos permitidos, com a maioria qualificada de três quintos. Quando os três quintos não são obtidos, isso significa simplesmente que não há decisão a respeito de reforma constitucional. De modo algum pode-se daí inferir falhas no desempenho legislativo que venham a exigir formatos não ordinários.
Se fosse o caso de apelar para qualquer mecanismo constituinte, que critérios deveríamos adotar para decidir o que deve e o que não deve ser submetido à tal dinâmica extraordinária?
Há, por certo, o argumento de que modificar os critérios de transformação de votos em cadeiras se reveste de uma tal gravidade que não podemos nos prender a formalismos. Mas isso esgota o conjunto de coisas que de modo plausível podem ser ditas graves?
A discussão carece de sentido. As chances de uma reforma política funda, que modifique o núcleo do sistema eleitoral e diminua as margens de liberdade dos parlamentares, são muito reduzidas, quer se trate de um Congresso constituinte ou do Congresso tal como existe. Essa necessidade de mudança pode estar presente no mapa privado de preferências da maioria dos parlamentares. Mas isso tem pouco a ver com seu comportamento em votações.
As razões são tão simples quanto isso: não há incentivos, nas condições vigentes, para que se alterem as regras institucionais que, mal ou bem, presidiram o sucesso eleitoral dos atuais congressistas. Fazê-lo significa introduzir na competição política altas doses de incerteza. A possibilidade de reeleição do presidente é o fato da reforma eleitoral; a busca de reeleição por parte dos parlamentares é o seu limite.

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