São Paulo, domingo, 14 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os perigos do El niño

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A imagem de um mapa projetada na parede do Hotel Rio Palace assustou dezenas de pesquisadores de países do Terceiro Mundo reunidos em uma conferência científica. O que provocava o susto era a dimensão de uma mancha vermelha sobre o oceano Pacífico.
A mancha (veja mapa abaixo) indica a extensão em agosto de um fenômeno climático que poderá provocar, nos próximos meses, não só uma seca intensa no Nordeste brasileiro e inundações catastróficas no Sul do país, mas afetar também o clima, e a economia, de vários daqueles países.
O vermelho do mapa mostra as áreas da superfície do oceano Pacífico, cuja temperatura está acima da média normal para o período do ano. O fenômeno de aquecimento das águas do Pacífico é conhecido como El Niño.
O nome vem do fato de que o auge desses fenômenos costuma acontecer no mês de dezembro. Os pescadores peruanos afetados pelo calor, que afasta os peixes e prejudica a pesca, o associaram com o Natal -o nascimento do "menino Jesus" cristão.
O "menino" do clima costuma trazer desgraças, porém. Os distúrbios climáticos a ele associados causaram, em 82 e 83, pelos menos 170 mortes, 600 mil desabrigados e US$ 3 bilhões de prejuízos no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, lembra o pesquisador Gilvan Sampaio de Oliveira, coordenador da Divisão Operacional de Clima no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
O mapa e um conjunto de gráficos associados a ele mostravam que o "menino" de 1997 já está se comportando mal, a ponto de os cientistas temerem uma repetição das desgraças de 1982/83.
"Ele mostrou uma evolução rápida em relação à época do ano", disse Gilvan. "Já se tornou visível em maio, em vez de setembro ou outubro, como seria o normal", disse o meteorologista, que, junto com Prakki Satyamurty (indiano, agora naturalizado brasileiro, chefe da Divisão de Produtos e Operações), apresentavam as descobertas do Inpe na reunião internacional.
O grupo de pesquisa de Satyamurty e Gilvan, do CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, chefiado pelo pesquisador Carlos Nobre), foi o primeiro a revelar a existência do El Niño deste ano, em um comunicado científico em 9 de junho passado. No dia seguinte, um grupo americano emitiu um boletim confirmando a descoberta.
"Estamos agora aperfeiçoando as previsões, para podermos fazer aconselhamento até mesmo em nível de risco para municípios específicos", diz o diretor-geral do Inpe, Márcio Nogueira Barbosa.
Nos próximos meses, o Inpe pretende descobrir quais municípios do Nordeste correrão risco grave de seca, e quais aqueles no Sul que poderão enfrentar chuvas abundantes capazes de criar inundações desastrosas.
"Chuvas excessivas no sul do Brasil, secas em partes da Amazônia e o inverno quente no sudeste nos últimos três meses podem ser todos atribuídos ao intenso El Niño atual", escreveram Satyamurty e colegas.
A previsão feita agora é um dos frutos de uma providência da década de 80, posterior aos desastres climáticos de 82/83, de melhorar a previsão científica do tempo no país. Essa providência foi a aprovação, em 1986, da criação do CPTEC, com sede em Cachoeira Paulista (SP). O principal equipamento do centro é um supercomputador, capaz de "mastigar" uma grande quantidade de dados climáticos e rodar simulações complexas do tempo. Com isso, foi possível melhorar a confiabilidade das previsões de curto prazo, e também facilitar o estudo de processos cíclicos como o "El Niño".

Texto Anterior: Fósseis podem mudar árvore genealógica humana
Próximo Texto: Pesquisas trazem vantagens para centro meteorológico
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.