São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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Coquetel falha em 30% dos doentes de SP

LUCIA MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

O coquetel anti-Aids começou a falhar em cerca de 30% dos pacientes atendidos pela rede pública de saúde de São Paulo, mostra estudo feito de novembro a agosto passado pela Secretaria de Saúde.
Isso indica que, nesse período, o remédio começou a não fazer efeito ou o paciente sofreu efeitos colaterais insuportáveis. O Estado oferece o coquetel a cerca de 6.000 pacientes.
"Não sabemos o que causou a falência, mas ela existe", diz Artur Kalichman, coordenador do CRT/DST-Aids.
O aumento da resistência ao coquetel não foi notada só pela rede pública. A Folha ouviu seis infectologistas especialistas em Aids e todos afirmam ter percebido o problema em vários pacientes.
A combinação de três tipos de droga (chamada de coquetel) ficou famosa no ano passado, quando foram divulgados resultados positivos desse tratamento.
Pela primeira vez desde o início da epidemia, nos anos 80, uma terapia reduziu a níveis imperceptíveis a quantidade de HIV no sangue.
Na maioria dos doentes tratados com o coquetel, os efeitos são imediatos. Nesse mesmo estudo, 47% melhoraram. Em 32%, a doença não avançou, 14% morreram e 7% pioraram. Os 30% que tiveram que mudar o tratamento estão dentro desses três últimos grupos.
Não se sabe por que os doentes começam a adquirir resistência aos remédios. A única maneira de ter essa informação seria se o Brasil fizesse análises sobre o comportamento do vírus no organismo dos pacientes. Mas não faz.
Dois fatos são apontados como causas da ineficácia do coquetel. O primeiro é o tratamento tardio. Doentes que começaram a usar o coquetel mais tarde normalmente têm sobrevida menor. "Quem vem de outros tratamentos resiste menos", diz o infectologista Vicente Amato Neto.
Outro causador de falência é o mau uso dos remédios. Tomar os medicamentos fora do prazo ou em doses menores pode ajudar a criar um "supervírus", porque os HIVs mais fracos morrem e uma "geração" de HIVs potentes prolifera. "Quem toma os remédios corretamente vai muito melhor. Tenho medo que essas pessoas estejam criando um supervírus", diz o infectologista Caio Rosenthal.
Há casos de pacientes que usaram corretamente as drogas e que não estavam em um estágio avançado da doença quando começaram a tomar o coquetel, e, mesmo assim, sua carga viral começou a subir e as células de defesa (CD4), a cair. "Há casos em que tudo está bem e, de repente, começa a haver resistência. E não dá para dizer o porquê", diz o diretor do Hospital Emílio Ribas (especializado em Aids), Guido Levi.
Para Levi, esses casos servem como alerta para que "as pessoas não pensem que o coquetel é a resposta para tudo". "Ele foi um passo a frente, mas existe resistência."

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