São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 1997
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Desperdício de barbáries

VAGUINALDO MARINHEIRO

São Paulo - O Brasil precisa parar de desperdiçar tragédias e barbáries.
Parece incompreensível a frase acima, mas o que acontece no país é exatamente isso: desperdício de razões e de momentos de indignação popular para mudar o que não funciona.
Na semana passada, ocorreram dois exemplos de fatos que atingem a opinião pública no estômago e fazem com que ela perceba a urgência de mudanças: a descoberta do sequestro e da morte do menino Ives Ota, 8, e o sequestro de Cleucy, 12, filha do deputado distrital Luiz Estevão. No caso de Ives, dois PMs são acusados. No de Cleucy, houve flagrantes e policiais militares confessaram o crime.
Os dois exemplos, somados a centenas de outros (favela Naval, fazenda da Juta etc.), já são mais que suficientes para provar que é preciso fazer alterações nas polícias do país. A frase do pai de Ives, Massataka Ota, no dia do enterro do menino sintetiza a expectativa: "Em quem confiar, se a própria polícia matou meu filho?".
O perigo é que mais uma vez sejam feitos discursos e pedidos públicos de desculpas, que sejam mudados os comandantes das PMs, que propostas de emendas constitucionais sejam enviadas ao Congresso e que tudo continue exatamente como está. Que o problema seja de novo esquecido -pelo menos até a próxima tragédia.
Em março, quando PMs foram flagrados na favela Naval (Diadema, São Paulo) torturando e dando o tiro que matou Mário José Josino, Mário Covas enviou projeto a Brasília alterando as funções das polícias e desmilitarizando a PM. A proposta acabou soterrada pela ação de lobbies.
Três meses depois, quando PMs e Exército se enfrentaram em Minas e um policial foi morto, a discussão voltou -e voltou a cair no esquecimento.
Três meses se passaram, de novo. Uma criança foi morta e outra ficou em poder de bandidos/policiais.
O que ainda é necessário para perceber que não são casos isolados?
Congressistas, governos estaduais e federal: não vamos desperdiçar mais tragédias. Só assim evitaremos novas.

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