São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 1997
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Mensagens de Hong Kong

CELSO PINTO

Existem mensagens ditas e outras não ditas no documento "Perspectivas da Economia Mundial", do FMI (Fundo Monetário Internacional). Uma mensagem importante não dita explicitamente ao Brasil está no quadro com as projeções para o déficit em conta corrente. Ao prever um déficit em conta corrente no Brasil equivalente a 4,5% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano e 5% no próximo, o Fundo colocou o país numa liga pouco invejável. Até o ano passado, o governo brasileiro citava o fato de 20 países, entre 64 listados pelo FMI, terem déficits em conta corrente superiores aos do Brasil como prova de que não havia nada a temer.
Não mais. Dos 64 países listados, apenas 7 devem ter um déficit superior ao do Brasil neste ano: Nova Zelândia (5,2%), Costa do Marfim (5,1%), Malásia (5,8%), Paquistão (6,7%), Tailândia (5%), República Tcheca (7,2%) e Polônia (4,9%). Desses, quatro sofreram ataques especulativos e tiveram que desvalorizar suas moedas: Malásia, Tailândia, República Tcheca e Polônia.
Ainda mais incômoda é a projeção do FMI para o próximo ano. Entre os mesmos 64 países, apenas quatro teriam déficits superiores aos do Brasil, dos quais dois que já passaram por desvalorização (República Tcheca e Polônia). Sobrariam Paquistão e Nova Zelândia.
Não é por acaso, portanto, que o Fundo tem chamado a atenção para o excessivo déficit externo brasileiro e os riscos que ele traz. Pode haver excesso de pessimismo do Fundo na projeção de um déficit de 5% do PIB para 98, mas não há dúvida de que seria importante o Brasil conseguir inverter a tendência de seu buraco externo.
Déficits externos excessivos, na análise do Fundo, foram uma das razões por trás das crises monetárias que ocorreram em diversos países em desenvolvimento nos últimos meses. Principalmente se associados a uma valorização do câmbio. Em muitos casos, a crise se explica apenas por "contágio", o fato de serem países na mesma região e com laços econômicos estreitos com o foco da crise original -como ocorreu com os países do Sudeste Asiático em relação à Tailândia. Outros fatores importantes pesaram, como a fragilidade do sistema financeiro.
No entanto, como observa o Fundo, vale a advertência de que fluxos de capitais que parecem generosos podem sofrer reversões súbitas "nos casos em que os mercados percebem que a posição externa tornou-se insustentável". É difícil prever qual é esse limite, mas está claro que o melhor é "lidar com desequilíbrios antes que eles atinjam níveis que possam ser percebidos como insustentáveis".
Há dois anos, o próprio governo brasileiro repetia que déficits entre 2% e 3% do PIB estão no limite da prudência. Pode ser que o mercado esteja disposto a financiar um déficit de 5% do Brasil, mas quem garante? "Acredito fortemente que nesse mundo globalizado ninguém tem mais direito de cometer erros", observou o diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus, numa entrevista à imprensa, ontem, em Hong Kong. Não adianta ir bem em alguns pontos da economia, mas ficar vulnerável em outros, como aconteceu com a Tailândia.
O guru da Ásia
O economista Paul Krugman, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), tornou-se o guru da crise asiática, desde que duvidou dos ganhos de produtividade embutidos no milagre econômico da região, num ensaio que escreveu há quatro anos. Ontem, o guru fez nova previsão, num dos inúmeros seminários que acontecem em paralelo à reunião anual do FMI e do Banco Mundial em Hong Kong. Assim como muitos, inclusive ele, previram que a crise da dívida latino-americana dos anos 80 seria rápida, e ela levou pelo menos sete anos, também a crise asiática pode ser mais prolongada do que alguns imaginam. Uma forma de abreviá-la seria tentar ganhar rapidamente a confiança dos mercados e seguir a regra de que "negócio é negócio", e não política.
Em 95, vários países latino-americanos sofreram pouco com a crise mexicana porque agiram dessa forma. Não adianta reclamar de uma conspiração criminosa contra os países da região, como tem feito o primeiro-ministro da Malásia. O melhor é tomar atitudes que sejam entendidas como positivas pelo mercado.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

LEIA MAIS sobre a reunião anual do FMI em Hong Kong à pag. 2-4

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