São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 1997
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'Qualquer ocorrência de abuso policial já preocupa'

OTÁVIO CABRAL
DA REPORTAGEM LOCAL

O novo comandante-geral da PM, coronel Carlos Alberto de Camargo, desembarcou ontem de manhã em Cumbica, depois de 11 horas de viagem de avião desde Roma (Itália), onde passava férias e participava de um congresso.
Logo depois de sair da alfândega, ele deu uma entrevista coletiva, onde enumerou as prioridades de sua gestão.
Depois de se reunir com o secretário da Segurança Pública, José Afonso da Silva, Camargo falou novamente à imprensa.
Leia os principais pontos das entrevistas.

*
Pergunta - Como o senhor recebeu a notícia de que havia sido indicado para o cargo de comandante-geral da PM?
Coronel Carlos Alberto de Camargo - Com surpresa, mas com a decisão de tomar providências imediatas para melhorar a atuação da Polícia Militar. Eu não esperava essa indicação.
Pergunta - Quais as prioridades do senhor no comando da PM?
Camargo - Minhas prioridades são implantar o programa de policiamento comunitário e realizar operações policiais intensas com vistas a combater modalidades específicas de delitos.
Além disso, pretendo fazer um processo de reciclagem total e de recuperação da confiança interna da tropa e um trabalho de integração entre todos os setores da corporação e a sociedade.
Pergunta - O senhor se considera um coronel linha dura?
Camargo - Se você entende que ser linha dura é realizar um intenso combate ao delito, pode ter certeza de que sou.
Pergunta - O que o senhor pretende fazer para mudar a imagem da PM junto à população, abalada por fatos como as ações na favela Naval e na Fazenda da Juta?
Camargo - A imagem vai ser mudada com o trabalho diário da tropa, sem nenhuma estratégia de marketing, sem nenhum trabalho profissional nesse setor. Vamos mudar a imagem com o trabalho de cada soldado na rua.
Pergunta - Como o senhor pretende diminuir a violência em São Paulo?
Camargo - Com o trabalho conjunto da população e todos os órgãos envolvidos, não só a polícia.
Pergunta - O senhor pretende aumentar o efetivo de policiais nas ruas?
Camargo - O lugar da tropa é nas ruas. Todos vão para a rua, inclusive os oficiais. Até eu irei para a rua.
Pergunta - Em seu livro, o senhor afirma que a população pobre tem tendência a desrespeitar as normas. Como o senhor explica essas declarações?
Camargo - Eu não falei apenas sobre os pobres. O que eu digo é apenas a constatação de que nós vivemos, lamentavelmente, em um ambiente que banaliza a violação de normas. A lei no Brasil, por exemplo, depois de publicada, precisa esperar para ver se pega ou não pega. As pessoas violam habitualmente as normas, às vezes até incorporando a violação como meio de vida. É uma questão de cultura. Esse é um dos pontos que nós vamos atacar.
Pergunta - Como o senhor pretende atacar isso?
Camargo - É difícil. A polícia não muda o comportamento de ninguém. Só uma coisa muda o comportamento da sociedade: a educação. Temos que fazer um processo educativo, no sentido de ensinar a população a respeitar as leis. Se for usar apenas a polícia para resolver essas questões, nós vamos ter um estado de controle, vamos controlar pelo controle. O ideal seria educar. Só a educação muda o comportamento.
Mas meu livro também faz referência aos ricos, não só aos pobres.
Pergunta - Mas o senhor acha que o pobre não segue as leis?
Camargo - Em certos momentos, o cidadão que está colocado no extremo mais prejudicial da diferença social não tem outra condição, até para sobreviver, senão violar normas.
Por exemplo, o sujeito que está invadindo terras está violando normas da sociedade. Eles violam essas normas com a convicção de que estejam agindo legitimamente, embora saibam que muitas vezes estejam violando a lei.
Pergunta - Como o senhor pretende combater os abusos cometidos por policiais militares?
Camargo - A corporação é muito grande e tem um enorme lado maravilhoso que protege e defende o cidadão. Mas a exceção em uma organização grande como a PM é proporcional a esse tamanho. Mas, mesmo se fosse apenas um caso, seria preocupante porque envolve vidas de pessoas.
Por isso, vamos fazer um trabalho de reciclagem e uma fiscalização rigorosa dos policiais. Além disso, vamos fazer um trabalho firme de depuração interna.
Pergunta - O senhor acha que os salários dos policiais são baixos?
Camargo - Isso é uma questão de política governamental, que eu reservo o direito de não falar.
Pergunta - O senhor é contra o "bico" feito por policiais?
Camargo - Não é questão de aceitar ou não, é uma constatação de que o policial necessita de uma atividade extra para sobreviver. Mas vamos controlar toda atividade que desvirtue o policial e comprometa a atividade principal, que é a proteção da sociedade.
Pergunta - O senhor acredita que coronéis mais velhos vão fazer resistência a seu trabalho?
Camargo - Não acredito que haja resistência. Mas vamos analisar a hipótese de que houvesse resistência. No Comando do Policiamento de Choque, enfrentei muitos problemas, mas uma coisa possibilitou que eu tivesse sucesso: a firme determinação de atingir um objetivo. Com isso, não há resistência que possa atrapalhar.
Pergunta - O senhor pretende fazer muitas mudanças na cúpula da Polícia Militar?
Camargo - A principal mudança que eu pretendo fazer não é de nomes, mas do conceito de segurança. A sociedade não deve ficar esperando da burocracia do Estado soluções para todos os problemas. Todo mundo deve procurar saber o que realmente precisa fazer para, com eficácia, contribuir para a solução do problema.
Pergunta - A verba que a PM dispõe é suficiente?
Camargo - Evidente que faltam verbas e equipamentos para o padrão ideal que queremos, mas vamos trabalhar com os meios que temos e comunicar ao governador e ao secretário as nossas carências.

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