São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 1997
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Autores revelam 'Boteco'

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Encenada com preponderância gestual por Renata Melo, coreógrafa e bailarina antes de diretora teatral, o espetáculo "Boteco" não deixa de ser, também, uma revelação em dramaturgia, com os seus cinco autores.
Um escritor como Fernando Bonassi -que teve uma primeira experiência em teatro com "Um Céu de Estrelas", encenada e co-escrita por Lígia Cortez, ano passado- recebe a esperada segunda montagem de uma peça sua, não distanciada da temática da anterior e de diversos outros textos seus, escritos para teatro ou não.
E é curioso como, no palco, aquilo que à primeira vista, no papel, surgia como odiento, amargo, ganha forte sentido cômico. Já foi assim, antes, com "Um Céu de Estrelas". Em "As Condições do Trabalho", a pequena peça incluída em "Boteco", a realidade está lá, a realidade urbana obsessiva de Fernando Bonassi, com as suas misérias, os seus policiais, mas o público a recebe e ri.
Os policiais achacam, violentam, matam os frequentadores de um bar -e o público ri, ainda que nervosamente. Peças no mesmo gênero, na nova dramaturgia inglesa, por exemplo, têm o mesmo efeito.
É uma dramaturgia fascinante, ainda em seu princípio, e que bem merecia maior aprofundamento. Este é ainda um esquete, como os demais quatro de "Boteco".
Estranhamente diverso de "Bar Doce Bar" é o quadro de Luís Alberto de Abreu, dramaturgo já consagrado, autor de "O Livro de Jó" e "A Guerra Santa", entre outras. Ele escreveu a peça citada, que voltou há pouco ao cartaz, no mesmo tema, o bar. O esquete de agora, talvez pela direção, talvez não, é bem mais satisfatório.
É expressivo na representação toda ela física, carregada de ironia, em roteiro nada óbvio. As reviravoltas se dão continuamente, comicamente. Abreu se mostra outra vez um dramaturgo estranho, com sucessos e insucessos entremeados na escritura, atuando em formas as mais conflitantes.
A revelação de "Boteco", se é que se pode falar assim de um encenador já algo veterano, é José Rubens Siqueira (o diretor de "Tartufo", também em cartaz). "In Vino Veritas" é o esquete mais bem resolvido da montagem, o que fecha a apresentação, e certamente o mais emocionante.
Buscando uma inesperada integração com o próprio teatro -cujo deus, Dionísio, é também o do vinho-, o autor vai retratando, com personagens algo indefinidos, todos bêbados e pateticamente melodramáticos, o prazer e a tragédia ridícula da bebida.
A qualidade de diretora de Renata Melo revela-se como em nenhum outro quadro. Os atores interpretam e dançam, no que lembra mais poesia do que drama -no sentido de dramaturgia.
Os restantes dois esquetes, de autores menos experientes, se não chegam a apresentar o domínio, a segurança de carpintaria dos citados, compõem bem o espetáculo, um conjunto singularmente diverso e integrado. E uma aposta adorável na palavra, por uma diretora estreante. (NS)

Peça: Boteco Quando: qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h
Onde: Teatro Laboratório da ECA-USP (av. Prof. Luciano Gualberto, trav. J, 215, Cidade Universitária, tel. 011/818-4375)
Quanto: Grátis

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