São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 1997
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Previdência: estamos contra, somos a favor

PAULO PEREIRA DA SILVA

Nós, metalúrgicos de São Paulo e da Força Sindical, estamos diante de uma situação absurda. Depois de defender a reforma da Previdência, somos obrigados a ser contra as mudanças que o governo quer fazer. Estamos contra porque somos a favor.
Queremos reformar a Previdência para ajustar as contas deficitárias do governo, acabar com privilégios e dar dignidade à aposentadoria. E também queremos um novo sistema, de capitalização individual -não apenas o de repartição, falido no mundo inteiro.
O governo diz que quer o que queremos, mas não é verdade. O projeto original do ministro Reinhold Stephanes, que não mudava o sistema e já era feio de origem, virou um Frankenstein na Câmara, onde foi estropiado pelos lobbies corporativos, e uma assombração no Senado, onde outra vez a pressão das elites parasitárias gritou mais alto.
O governo, que já não falava em mudar o sistema moribundo que aí está (seguindo o exemplo da Argentina e do Peru, nisso melhores que o Chile), agora parece contentar-se com o remendo estropiado do senador Beni Veras.
Trata-se de uma grande ilusão: o projeto não é justo, porque mantém privilégios de altos funcionários públicos e de parlamentares. Talvez possa atenuar os altíssimos rombos do sistema -mas por um período curto e à custa, mais uma vez, do sacrifício dos mais de 16 milhões de aposentados do INSS, que carregam o setor público nas costas.
Vale a pena repetir os números indecentes do atual sistema: a Previdência consome R$ 87 bilhões, dos quais mais da metade, R$ 46 bilhões, ficam com os 17% representados pelos servidores públicos federais, estaduais e municipais, que se aposentam precocemente (às vezes com 40 anos de idade) e das mais variadas formas, o que possibilita aposentadorias de até R$ 30 mil por mês.
Os R$ 41 bilhões restantes têm que ser divididos pelos outros 83% -na maioria, aposentados do INSS (setor privado) cuja aposentadoria média é de R$ 190. O benefício é calculado pela média dos últimos 36 meses trabalhados, não podendo passar de R$ 1.030. Ninguém se aposenta antes dos 60 anos.
Essa injustiça sobrevive com a conivência da alta magistratura e dos próprios parlamentares, que dela se beneficiam. Quando vemos a maioria dos juízes da suprema corte se revoltar contra a tentativa de limitar suas aposentadorias, alegando que, assim, não poderão garantir a justiça em nosso país, eu me pergunto: os policiais não poderão proteger nossas vidas se não tiverem privilégios iguais? E os metalúrgicos, não poderão mais garantir a produção nas fábricas? E enfermeiras, médicos, engenheiros, pedreiros, padeiros?
Só nos faltava essa. Para a alta magistratura, aposentar-se jovem, com salário integral mais alguma coisa, e na aposentadoria ter reajustes sempre que o colega da ativa os tem não é privilégio, é "prerrogativa". E o povo, qual será a prerrogativa dele? Não queremos nenhuma: queremos apenas justiça ou igualdade -aquilo por que lutaram, no século 18, os heróis da Revolução Francesa. À beira do século 21, ainda não fizemos nossa revolução burguesa.
Além de manter os privilégios da elite que parasita a sociedade, o projeto de "reforma" da Previdência acaba, para "acertar" as contas do INSS, com a aposentadoria por tempo de serviço, dá um golpe na proporcional, aleija parte das "especiais" (que de especiais não têm nada; apenas garantem quem trabalha em condições penosas ou insalubres) e ainda nos mete nas costas um "pedágio": quem não se aposentou terá que trabalhar mais 20% para ter direito ao descanso. Ou seja: se trabalhei 20 anos e me faltam 15, terei agora que trabalhar 18 anos para pagar a conta da incompetência e da fraude.
Pior fica para quem ingressar no "novo" sistema. Se alguém começar a trabalhar aos 17 anos, como é comum em nosso país, não se aposentará após 35 anos de contribuição, mas só aos 60 anos de idade, 43 anos depois.
Como diz o ministro Stephanes, isso acontece porque o sistema é "solidário": alguém tem que pagar para que todos recebam sua migalha. Ora, se os meritíssimos juízes e suas excelências, os deputados, também fossem solidários, poderíamos discutir essa questão.
É aí que está o verdadeiro nó: o que menos existe nessa "reforma" é solidariedade. Se houvesse, nós, trabalhadores do setor privado, até poderíamos fazer mais sacrifícios. Se a reforma acabasse com os privilégios odiosos de uns e outros, todos poderíamos nos sentar em torno da mesma mesa, ver as contas sem paixão e com patriotismo, pensar em novos sistemas de contribuição e sonhar, enfim, com uma reforma justa.
Para mim, reforma justa será a que se assentar num sistema misto -de repartição, como o que já existe, para os mais necessitados e de capitalização individual para os que têm alguma capacidade de poupança. Seria bom para o aposentado e para a economia. Criaria empregos e desenvolvimento. Talvez não fosse bom para os juízes, mas seria muito bom para o Brasil.

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