São Paulo, domingo, 21 de setembro de 1997
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Che: bom de bala, bom de bola

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A LETICIA (COLÔMBIA)

O guerrilheiro argentino Ernesto Guevara de la Serna (1928-1967) entrou para a história marcado por seu arrojo, vanguardismo e pela morte na Bolívia.
Em 1959, ele obteve o maior triunfo da sua vida, no comando da Revolução Cubana, ao lado dos irmãos Fidel e Raúl Castro.
Seis anos e meio antes, Che, como foi imortalizado pelos cubanos, já mostrava, jogando futebol, as características com que se notabilizaria como revolucionário.
Houve um dia, 29 de junho de 1952, em que Che defendeu um pênalti. Era a final de um torneio-relâmpago na selva amazônica, e ele não se esqueceria do feito.
A disputa em Leticia, cidade da Amazônia colombiana então com menos de 3.000 habitantes, foi registrada sucintamente nos diários de Che e de seu companheiro de viagem, Alberto Granado, que também jogou.
Às vésperas do 30º aniversário do assassinato do guerrilheiro por militares bolivianos, a Folha reconstituiu na Colômbia os dias em que ele foi não somente o goleiro do Independiente, time de efêmera existência, mas igualmente o técnico, junto com Alberto Granado.
Pela primeira vez, conforme todos os depoimentos, são revelados detalhes da empreitada futebolística. Em Cuba, a Folha localizou Granado, hoje com 75 anos. Ele confirmou histórias e acrescentou informações inéditas.
Típicos mochileiros que precederam a geração hippie, os dois argentinos estiveram em Leticia entre 23 de junho e 2 de julho de 1952.
Guevara, com 24 anos, se preparava para prestar os exames de conclusão do curso de medicina na Universidade de Buenos Aires.
O futuro militante ainda não tinha maiores preocupações políticas. Granado, médico já formado, completaria em agosto 30 anos.
Eles passaram pelo Chile e pelo Peru, países onde também jogaram. Chegaram à Colômbia após navegar acidentalmente pelo rio Solimões, no Brasil.
Numa balsa doada por doentes que eles trataram num leprosário no povoado peruano de San Pablo, os aventureiros dormiram. Acabaram no Brasil.
Época do eldorado colombiano, que atraía craques de todo o planeta, os jogadores argentinos tinham mais cartaz que os uruguaios, campeões mundiais, e os brasileiros, vices da Copa de 50.
Convidados pelo policial Francisco Salamanca, Guevara e Granado toparam treinar uma equipe para o campeonato na "cancha popular".
No total, participaram cinco times, em jogos de 15 minutos cada tempo, com decisões em pênaltis no caso de empate.
"A princípio, pensávamos (só) treinar para não fazer papelões, mas, como eram muito ruins, nos decidimos também a jogar", escreveu Guevara à sua mãe, Celia.
Para não correr demais -era asmático crônico-, Che resolveu ser goleiro. Sua equipe chegou à final, que terminou empatada.
A decisão seria em rodadas de um pênalti, até sair o campeão. Na primeira, Che impediu o gol, numa defesa cujos detalhes o tempo apagou das memórias.
Como seu companheiro errou a cobrança, houve nova série, com Guevara sofrendo o gol e sua equipe desperdiçando outro chute.

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