São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Globalização produtiva afeta as contas externas

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A tabela com os indicadores de déficit em conta corrente compilada pelo J.P. Morgan dá o que pensar. A tendência de piora nos números é geral nos anos 90.
Há uma tese conhecida e que foi bastante utilizada mesmo depois da crise mexicana por Gustavo Franco, agora presidente do Banco Central.
Quando uma economia em desenvolvimento começa a crescer, atraindo investimentos externos, é natural que surjam desequilíbrios nas contas externas.
O investimento novo, muitas vezes intensivo em importações de máquinas e equipamentos, desequilibra as contas comerciais. Os empréstimos e investimentos financeiros, em mercados com taxas altíssimas de retorno em prazos relativamente curtos, logo pressionam as contas de remessas de juros e dividendos.
Em muitos casos, torna-se necessário tomar cada vez mais recursos emprestados para rolar essas contas, sem que o "timing" do financiamento coincida com a eliminação dos déficits comerciais. Na visão otimista, os aumentos de produtividade e a retomada das exportações ocorrem a tempo de, no longo prazo, tornarem sustentáveis os déficits externos.
Mas há também um paradoxo. O interesse maior nos mercados emergentes (coisa boa) acaba criando desequilíbrios que afetam a percepção de risco dos investidores nesses mesmos mercados (coisa ruim). Há uma ciclotimia que parece intrínseca ao processo.
Uma conclusão inquietante é que talvez não existam receitas totalmente seguras para evitar oscilações que, na pior das hipóteses, trazem volatilidade, fuga de capitais e crises cambiais.
Outra conclusão é a de que realmente beira o ridículo tentar "culpar" os especuladores pelos episódios de instabilidade e ruptura da confiança, como alguns governantes tentam fazer na Ásia.
O fato de não existir receita segura não é consequência de uma impossibilidade teórica ou ideológica. Simplesmente o fluxo de investimentos, em si mesmo, gera uma tendência instável e "self-defeating" (que se anula).
Um exemplo dessa relação frouxa entre as receitas de política econômica e o funcionamento dos fluxos de capitais é o Brasil mesmo. Quando as contas públicas pioraram e, mesmo antes do Plano Real, os investidores colocaram seu dinheiro aqui. Como nos anos 70, simplesmente há uma impressionante disponibilidade de recursos. Sempre sobra algum para apostas de maior risco. Como os volumes em circulação atingem dimensões astronômicas, o "algum" pode ser suficiente tanto para produzir "milagres" quanto para precipitar "catástrofes".
Outra recomendação que precisa ser relativizada é a de maior "disclosure", ou seja, exposição pública das contas de cada país. Em princípio, quanto mais informação, atendendo a um padrão universal, menores os riscos de desilusões. Essa é por exemplo a linha mais recente do FMI. Mas não consta que faltassem informações sobre o México ou a Tailândia.
Mas a globalização é um fato, não só financeiro, mas também produtivo. O relatório de 97 da ONU sobre investimentos é claro a esse respeito. A questão não é reverter a mudança global, mas buscar os meios para lidar com seus próprios espasmos recorrentes.

Texto Anterior: O "modelo chileno" vale o que custa?
Próximo Texto: A nova Itália e o Brasil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.