São Paulo, domingo, 28 de setembro de 1997
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A nova Itália e o Brasil

A nova Itália e o Brasil
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LUÍS NASSIF

"A Nova Itália e o Brasil" é um livreto, 56 páginas em formato "pocket", do professor e consultor de empresas Flávio de Toledo -um dos precursores da grande revolução ocorrida na área de recursos humanos no país- em depoimento ao jornalista Júlio Moreno.
Antes de obra acabada, é um aperitivo, que mais instiga do que responde, uma breve introdução sobre o que ocorreu na Nova Itália -localizada no Centro-Norte da Itália, área que inclui as regiões da Lombardia, Vêneto, Toscana e Emília-Romanha e as cidades de Módena, Parma, Lucca, Pisa, e outras, responsáveis pela maior parte do fluxo migratório para o Brasil.
Mas, se encontrá-lo, trate de colocá-lo na cabeceira de sua cama, porque o esboço ali apresentado pelo professor Toledo terá, sobre todos aqueles que se preocupam com o fenômeno do desenvolvimento, o impacto de obras como "Reinventando o Estado".
O professor descreve, com os olhos de visitante qualificado, o fenômeno que permitiu à Nova Itália emergir de uma situação semifeudal em fins dos anos 60 para a de principal motor do processo de desenvolvimento que transformou a Itália no quarto maior PIB do mundo, e na economia mais dinâmica da Europa.
Contra a velha ordem
A reação da Nova Itália começa ainda nos anos 70, como resposta à Velha Itália presa a um jogo político autoritário, radicalizado e corrupto. No início, cria-se uma economia subterrânea, informal, mas alicerçada em uma série de valores muito fortes, todos ligados à busca da sobrevivência no ambiente de instabilidade que caracterizava a Itália daqueles tempos, e de ojeriza total a governos centrais.
Para vencer a profunda instabilidade econômica do país, ocorre quase um redescobrimento de valores culturais tipicamente italianos -solidariedade, busca da criatividade e do bom gosto, dinamismo da ação empreendedora coletiva, resistência a qualquer forma de "racionalização".
Em pouco tempo, criou-se uma organização virtual extremamente solidária, ágil e eficiente, milhares e milhares de pessoas e empresas, em processos de permanente negociação entre si, visando encontrar oportunidades.
Não existem princípios da organização racional, convencional nesse modelo -diz Toledo- que funda-se em valores muito claros:
1) Conservam-se em pequenas unidades de produção para se protegerem, se unirem nas oportunidades e se enxugarem nas crises. Podem montar consórcios, associações, mas sempre atuando de forma flexível e pragmática.
2) A comunicação é informal mas circula sempre e é considerada valor sagrado. São contra o uso de caixas-pretas. Nada de patente, nada de exclusividade, nada de papelório, dizem eles.
3) São escravos do processo permanente de inovação e de criatividade. O bom gosto é fundamental para agregar valor aos seus produtos e permitir-lhes competir contra adversários com maior tecnologia.
4) A turbulência faz parte da paisagem normal e toda a agilidade consiste em responder rapidamente a essas demandas.
5) Ninguém perde tempo com sistemas sofisticados de planejamentos estratégicos, programas globais de qualidade etc.
Objetividade
Com valores bem-definidos, essa organização anárquica e virtual conseguiu uma objetividade que não se vê nas grandes organizações. Às vezes, se reúnem 70, 80 empresas para desenvolver uma coleção de móveis, calçados ou roupas. E são capazes, em 15 dias, de alterar o design e a produção, visando conquistar um novo mercado externo.
A parceria envolve não apenas as empresas, como autoridades regionais das Províncias e dos municípios, câmaras de comércio e indústria, núcleos de serviços e promoções, e consórcios e convênios criados pelas próprias empresas.
Há experiências iniciais no Brasil, dentro desse espírito -muitas citadas aqui na coluna, como o novo cooperativismo de Patrocínio, as experiências moveleiras de Mirassol e de Votuporanga, as tentativas de Jacutinga e Lindóia.
Assim como o Brasil será, a Nova Itália é fruto da redemocratização e da redescoberta do federalismo italiano, do fortalecimento dos municípios e dos princípios de auto-resolução dos próprios problemas.
Não se ouve falar em governo central quando se visita a Nova Itália.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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