São Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 1997
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O BC e a nova moeda

HELCIO EMERICH

Com anúncio publicado nas principais revistas semanais, o Banco Central está lançando um concurso para escolha do desenho da nova moeda brasileira, que deverá estar em circulação no próximo ano.
Em estilo solene, o texto do comunicado ensina que: "O design da moeda deve respeitar o gosto e os hábitos do usuário". Mais adiante, continuando a resvalar para o terreno do óbvio, o anúncio lembra que: "Em vários países também existe uma atenção especial com o design das moedas. Impossível não se maravilhar com a belíssima moeda da Holanda ou ignorar o Euro, a moeda da unificação européia".
Cultura inútil à parte, a iniciativa do BC significa, no fundo, a admissão de um dos maiores fiascos impostos à população pelas autoridades monetárias do país a partir da implantação do Plano Real. O nosso dinheiro é um dos mais medíocres, despersonalizados e antifuncionais do planeta. Além do layout primário e da padronização barata das cédulas, algumas moedas não se distinguem das outras, nem pelo tipo de metal utilizado nem pela cor, peso e muito menos pelas efígies nelas cunhadas.
O publicitário Roberto Duailibi, que é um estudioso da numismática, escreveu há tempos na revista "Exame" um artigo definitivo sobre a indigência da nossa moeda. Como resposta, houve um pronunciamento de um diretor da Casa da Moeda que, entre outras bobagens, exaltava a "abnegação dos técnicos brasileiros" responsáveis pela invenção do novo dinheiro. É espantoso que só três anos após o lançamento do real o BC venha a reconhecer publicamente o amadorismo e a precipitação com que a nova moeda foi criada e colocada no mercado.
A confissão está em outro parágrafo do anúncio: "Hoje, gastam-se minutos preciosos para pagar e conferir o troco em filas de metrô, nas catracas dos ônibus, nas padarias".
Durante todo esse tempo os tecnocratas da área financeira jamais devem ter presenciado, por exemplo, o desconforto das pessoas idosas e dos deficientes visuais ao tentar identificar os valores das infames moedinhas. O BC informa também que a última etapa do processo de mudança do real será uma pesquisa de opinião pública para escolher e aprovar o projeto vencedor entre os dois melhores e um terceiro desenvolvido pela Casa da Moeda (que não deveria ter nova chance depois do vexame que deu com a moeda atual).
Parece democrático, mas é outro equívoco. Moeda é assunto para designers, numismatas e especialistas em ergonomia. A população pode optar pelo pior projeto e seria melhor pré-testar o novo dinheiro simulando seu uso no dia-a-dia, pois ninguém paga contas com projetos.
De qualquer forma, uma coisa é certa: quem vai bancar a despesa de toda essa sesquipedal incompetência (como diria o culto ex-presidente Costa e Silva) é o contribuinte.

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