São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 1998
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Ato de Deus e equilíbrio comercial

ANTONIO DELFIM NETTO

O enorme sucesso do plano de estabilização que tomou o nome de Real é decorrência de um conjunto de causas. A primeira foi, sem dúvida, a grande competência demonstrada por seus autores com a construção da URV. A segunda foi a maestria e segurança com que o então ministro Rubens Ricupero colocou o programa em funcionamento, captando a simpatia e a esperança dos brasileiros desconfiados dos fracassos dos planos anteriores. A terceira -mas nem por isso menos importante- foi o momento excepcional em que ele entrou na prática:
a) o Brasil havia feito uma grande abertura comercial em 1990. Em 1993 ela estava madura, com os canais de importação criados e funcionando. Entre 1992 e 1993 as importações cresceram 25% e, entre 1993 e 1994, 29%;
b) a economia mundial estava saindo da recessão, passando de um crescimento médio de 2,5% ao ano no período 90/93 para 4% no período 94/97. O volume físico de comércio internacional viu sua taxa de crescimento aumentada de 4,7% ao ano em 90/93 para 8% em 94/97;
c) a taxa de inflação das economias desenvolvidas caiu de 3,8% ao ano no período 90/93 para 2,1% em 94/97;
d) a taxa nominal de juros de curto prazo nas economias desenvolvidas caiu de 7,4% em 90/93 para 4,8% em 94/97, com uma redução importante da taxa de juros real;
e) os preços em dólar dos produtos exportados pelo Brasil vinham crescendo mais depressa do que os dos importados. Na média entre 90/93 e 94/97, a relação entre eles (chamada relação de troca) cresceu 36%. Isso significa que cada dólar exportado no período 94/97 teve um poder de compra 36% superior ao de 90/93.
A semente do Plano Real caiu, assim, em terreno fértil e bem preparado para produzir o magnífico resultado que todos admiramos no que diz respeito à inflação. Vamos assistir em 1998 a nossa taxa de inflação ficar em torno de 3,5%, com a inflação mundial em torno de 1,8%, o que é um feito notável.
O problema é que vamos repetir um crescimento medíocre (talvez entre 1,5% e 2%). É o quarto ano de redução persistente da taxa de crescimento. Todos sabemos que o limite à expansão do PIB brasileiro (e causa de boa parte do desemprego!) é a restrição externa causada pelo lento crescimento físico das exportações.
Entre 1993 e 1997 as exportações brasileiras, medidas em dólares correntes, cresceram de 39 bilhões para 53 bilhões, registrando um aumento de 14 bilhões, ou seja, 36% (8% ao ano). Mas esse aumento é devido a 26% de aumento de preços (6% ao ano) e apenas 8% (1,9% ao ano) de aumento de quantidade. Dos 14 bilhões de aumento das exportações, pelo menos 75% (mais de 10 bilhões) foram gerados pelos aumentos de nossos preços de exportação. Só não tivemos uma crise até agora porque um ato de Deus elevou nossos preços (26%) e reduziu os preços de nossos fornecedores (-11%) entre 1993 e 1997. Qualquer dia desses nossos credores vão descobrir que o precário equilíbrio de nossa conta corrente é ainda mais precário do que parece. Ele está apoiado sobre a melhora da relação de troca que costuma ter um movimento aleatório.

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