São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 1998
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Os juízes e o Mercosul

JORGE HUGO HERRERA VEGAS

Em 13 de janeiro deste ano, a juíza da Fazenda Pública do Rio Grande do Sul Liselana Schiffino Robles Ribeiro proferiu sentença contra a administração tributária do Estado do Rio Grande do Sul no chamado "caso Leben". Foi dada primazia ao Tratado de Assunção, que estabeleceu o Mercosul, sobre o direito interno brasileiro.
Tratava-se da importação de leite do Uruguai, embalado, pronto para consumo e similar ao produto brasileiro. O Rio Grande do Sul aplicava ao leite uruguaio um imposto sobre circulação de mercadorias do qual o leite nacional era isento. O importador do leite solicitou à Justiça tratamento similar ao dispensado ao produto nacional.
A esse respeito, o artigo 7 do Tratado de Assunção dispõe: "Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado-parte gozarão, nos outros Estados-partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional".
A juíza acatou o pedido da empresa importadora: "Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, para que a legislação interna possa dispor em sentido contrário ao disposto nele (referia-se ao tratado), exige-se sua prévia denúncia, pois o tratado contratual é título de direito subjetivo".
Citou também o artigo 152 da Constituição do Brasil: "É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino". "Portanto" -concluiu- "sendo o leite embalado, pronto para o consumo e produzido no Brasil beneficiado por isenção tributária, também o é um produto similar estrangeiro".
A ordem jurídica do Mercosul, como todas, deve estar dotada de órgãos e procedimentos para criar normas, interpretá-las e assegurar seu cumprimento. Essas normas são instituídas pelo conselho, pelo Grupo Mercado Comum e pela Comissão de Comércio.
O Protocolo de Brasília, para a solução de controvérsias, prevê a constituição de tribunais arbitrais para todos os casos de interpretação, aplicação ou descumprimento das normas do Mercosul. Nunca foi utilizado.
Que conclusões se podem extrair desse processo? A primeira é que não é necessário contar com uma corte de Justiça do Mercosul para que os juízes nacionais dos países-membros assegurem o controle da legalidade das normas de direito interno em relação ao Tratado de Assunção. Este deve prevalecer sobre as normas da legislação interna.
Uma corte de Justiça para o Mercosul seria, sim, necessária para garantir a interpretação uniforme das normas do bloco quando os poderes judiciais nacionais as interpretassem de maneira contraditória. Esse é, porém, um problema ainda relativamente distante.
É preciso começar pelo mesmo ponto de onde partiram os demandantes do caso Leben: solicitar aos juízes nacionais dos países-membros do Mercosul que todos os produtos do universo alfandegário tenham o direito de ingressar sem obstáculos no mercado regional, nas condições fixadas pelas normas dos órgãos de condução estabelecidos pelos tratados de Assunção e Ouro Preto.
A decisão da juíza mostra o caminho. As reclamações que não possam ser solucionadas em curto prazo pela Comissão de Comércio, órgão inicialmente encarregado de examiná-las e resolvê-las, podem ser levadas tanto ao Protocolo de Brasília como aos juízes. O caso Leben prova que esse último caminho funciona e é rápido.
Os advogados e os juízes podem contribuir para consolidar o Mercosul, outorgando-lhe a previsibilidade que requer para manter o prestígio que seus extraordinários resultados tão merecidamente lhe outorgaram.

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