São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 1998
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Pela regulamentação dos planos de saúde

JOÃO ELÍSIO FERRAZ DE CAMPOS

Mais uma vez, a discussão em torno do projeto de regulamentação dos seguros e planos de saúde, na reta final para votação no Senado, é tomada pelo sensacionalismo e pelo emocionalismo de setores que, pretensamente falando em nome da sociedade, alimentam um clima de confusão e desconfiança que em nada contribui para a compreensão do problema pelo cidadão comum -aquele que usa o sistema de seguro de saúde privado no Brasil, precisa desse sistema e se beneficia dele.
Para que esta não se torne mais uma entre tantas alegações já publicadas sobre o conteúdo do projeto aprovado pela Câmara, precisamos, antes de mais nada, colocar os pingos nos is.
Seria bem mais fácil enfrentar o problema se os setores contrariados com o projeto não mistificassem aquilo que é a base doutrinária do seguro-saúde -o mutualismo, uma palavrinha não muito usual, mas de significado bastante simples, que explica como o sistema funciona, seja aqui no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo.
Quem paga o tratamento de uma doença não é uma sociedade seguradora, uma cooperativa médica ou uma empresa de medicina de grupo, mas o cidadão consumidor, a partir das mensalidades que assumiu. É a soma das mensalidades de cada um que viabiliza o tratamento das doenças de todos.
Outro grande erro é tentar incutir nas pessoas a idéia de que o seguro-saúde está aí para substituir o Estado. Em todos os países, a ação da iniciativa privada é complementar à do Estado. Hoje, o que se vê são pessoas, mesmo aquelas não interessadas em nenhum processo de privatização, preferindo que essa ação complementar ocorra com a assistência médica no Brasil.
Iludem-se aqueles que pensam que essa preferência é dos cidadãos de classe média alta. Ao contrário. Consumidores do proletariado urbano, atendidos por intermédio dos seguros coletivos pagos pelo empregador, têm manifestado frequentemente sua satisfação com o sistema de assistência médica privada no país.
Defendemos a aprovação do projeto, em primeiro lugar, pelo fato de regulamentar o setor como um todo. Não é possível que as seguradoras se submetam a um regime de supervisão e fiscalização como o da Superintendência de Seguros Privados e que os outros segmentos dessa área -medicina de grupo, cooperativas médicas e sistemas de autogestão- não estejam sujeitos a nenhuma regulamentação.
Mas o projeto não se limita a isso. Grande parte dos problemas que a sociedade enfrenta ultimamente vai acabar a partir do momento em que se estabelecer que os planos de saúde só poderão ser cancelados por falta de pagamento após 60 dias, o que é mais do que compreensível, pois de outra forma as empresas seriam condenadas à falência. A outra hipótese para cancelamento, óbvia, é no caso de fraude.
A internação hospitalar sem limite vai servir também para evitar alguns excessos, cometidos no passado por uma minoria de empresas que estabeleciam internações com limites inaceitáveis pelo consumidor. Além disso, corrige-se a questão da doença preexistente, limitando todas as alegações desse tipo ao prazo de dois anos, cabendo à empresa o ônus da prova.
Consagra-se, ainda, a garantia de permanência no plano coletivo para aposentados e demitidos, além da obrigatoriedade de que o custo para todas as idades conste do contrato original.
O projeto proíbe o aumento de mensalidades para maiores de 60 anos e estabelece -o que é de extrema importância para o sistema de saúde público- que a empresa de saúde fica obrigada a reembolsar o SUS no caso de utilizar os seus serviços.
As expectativas de muitas empresas sobre a reavaliação dos custos de seus serviços, segundo as novas regras do projeto, geraram desinformações na mídia. Surgiram notícias de que seguradoras ameaçavam colocar os preços das mensalidades na estratosfera.
Podemos garantir que aumentos, quando existirem, serão em patamares perfeitamente assimiláveis pelo consumidor. Sem nenhum assombro, pois o que vai acontecer é simplesmente uma adequação dos contratos às novas exigências do projeto de lei.
A rigor, não há nenhuma mágica para resolver a equação dos custos. Na prática, os seguros-saúde oferecem um cardápio no qual o usuário escolhe o serviço que melhor corresponda às suas necessidades.
Hoje, os planos mais completos oferecidos pelas seguradoras custam, em média, R$ 100. Outros planos, mais limitados, variam de R$ 30 a R$ 50. Se o Congresso, no entanto, obrigar a sociedade a consumir apenas planos completos, com certeza os usuários de planos menos abrangentes sofrerão aumentos de até 100%. Não vamos nos iludir com isso.
Também não se compreende a resistência de alguns setores à participação do capital estrangeiro. Vale lembrar que, no caso da saúde, trata-se de capital de risco e de natureza não-especulativa. Do nosso ponto de vista, essa concorrência é bem-vinda e saudável, e o consumidor só terá a ganhar com ela.
O que esperamos é que o Senado, responsável pela manutenção do equilíbrio do país, tenha o cuidado de evitar que o Sistema Único de Saúde seja sufocado pelo retorno de cidadãos que, no passado, ao optar por coberturas privadas, desoneraram o Estado.

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