São Paulo, quarta-feira, 24 de junho de 1998
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Cartão amarelo

CARLOS HEITOR CONY

Até a metade do segundo tempo, tinha na cabeça um título para esta crônica: "Nada contra nada". Achava que o jogo entre o Brasil e a Noruega teria um resultado óbvio: 0 a 0. Na realidade, até aquele momento, os dois times se equivaliam, pareciam jogar sem motivação, apenas para efeito de estatística: já estavam classificados para as oitavas e não valia a pena forçar a barra.
Houve uma substituição no time norueguês. Logo em seguida, surgiram oportunidades de gol tanto para o Brasil como para a Noruega.Os passes começaram a chegar a seu destino, a temperatura subiu, e Bebeto, de repente, teve o gol aberto para a cabeçada fulminante que, naquela altura, parecia definitiva.
Ledo e ivo engano! Uma bobeada de Júnior Baiano e a Noruega empata. E continua perseguindo o gol. Sinceramente, achei o pênalti duvidoso, mas o juiz estava mais bem colocado do que eu e deve ter visto a falta que eu não percebi. Noruega 2 a 1.
Podemos até chegar às finais e ao penta. Mas a quebra da invencibilidade numa Copa do Mundo é agouro dispensável. Nem adianta argumentar que o Brasil jogou por jogar, com gordura bastante para perder. Um bom campeão não perde.
Enquanto a partida esteve no chove-não-molha, dando a impressão de que havia um acordo de cavalheiros para o empate no 0 a 0, defeitos e qualidades, mais defeitos, evidentemente, ficaram evidentes na equipe brasileira. Ronaldo, por exemplo, não conseguiu terminar uma única jogada, em nenhum momento mostrou o brilho que dele fez o melhor jogador do mundo. Pelo menos na segunda metade do segundo tempo, vi dois ou três rapazes da terra de Hagar, o Horrível, jogarem melhor do que ele.
Aliás, nos três jogos desta Copa, Ronaldo só fez um gol, em condições especialíssimas: a bola quicou duas vezes seguidas no mesmo lugar, diante de seus pés miraculosos. Fazer gol assim até o bispo Sardinha faria.
Depois do gol de Bebeto, o estádio viu Zagallo eufórico, andando de um lado para o outro no banco dos reservas. Parecia tranquilo, sem temer a rebordosa que, diga-se de passagem, já estava a caminho. Apesar disso, não há motivo (ainda) para se crucificar o nosso técnico. Ele costuma dar voltas por cima. Mas recebemos, genericamente, um cartão amarelo com significado cruel.
Ainda não estamos fora de campo, mas cometemos uma falta grave, falta que agora não poderá ser repetida. O cartão da vez tem cor vermelha, e todos sabemos o que ele significa: um regresso aos pagos antes da hora, o sonho do penta arquivado, esperando a ressurreição dos mortos na primeira Copa do novo século.
Sábado teremos Brasil e Chile. Já comentei aqui que os chilenos são uma das surpresas neste campeonato. Estão jogando com garra, até mesmo com aquela alegria que foi um referencial do nosso futebol. Alegria perdida, alegria que está fazendo falta não apenas ao nosso futebol, mas a todos nós -como diria Sarney- brasileiros e brasileiras.

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