São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 1998
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A lição Levitsky

JOSÉ SARNEY

Conheci o embaixador Melvyn Levitsky há 30 anos. Eu, governador do Maranhão, ele, cônsul dos Estados Unidos em Belém do Pará. Era um jovem diplomata, competente e interessado em tudo o que acontecia na região. Sua carreira foi brilhante e serviu ao seu país em alguns postos importantes. Voltei a vê-lo embaixador no Brasil. O tempo deu-lhe experiência e consolidou suas virtudes de excelente profissional, inteligente e sagaz. Seu estilo é franco, aberto, considerado um diplomata daqueles que não usam as palavras para esconder pensamentos.
Nesta última semana, ao se despedir do Brasil, chegando ao fim de sua carreira e ingressado no magistério universitário, concedeu uma entrevista, com uma lição ao Brasil: "O papel do embaixador não é criar boas relações com o país onde está. É defender os interesses do seu país". Aí está uma conduta que não foi constante em nossa história. Sempre estamos preocupados em agradar, acariciar, principalmente os mais fortes, na doce ilusão de que afagos trazem concessões.
A América Latina, com seu gosto pela retórica piegas, forjou o tratamento de "irmãos do norte". Roosevelt, aproveitando a deixa, criou a chamada política da "boa vizinhança". Kennedy, a "Aliança para o Progresso". Todas com o objetivo de consolidar a presença dos Estados Unidos na área. E eles estavam certos, sob sua ótica: defender os seus interesses. Nós é que estamos errados de não defender os nossos, aceitando imposições e posições que, muitas vezes, não são as melhores. Agora, a globalização nos traz perplexidades. No mundo inteiro discute-se aonde vai chegar esse processo em que 80% da humanidade não tem trabalho. A classe média tende a desaparecer, só há lugar para os ricos. Os valores nacionais podem acabar. Quem não resistir e se defender simplesmente perderá sua identidade.
Tenho grande admiração pelos Estados Unidos, conheço bastante de sua história, dos ideais que construíram a sociedade americana, de sua missão mundial em favor da liberdade, dos direitos humanos. Mas não é isso que nos deve levar a renunciar ao nosso destino e nos satelizar. É verdade que, quando os americanos negociam, o fazem com pressão e toda a garra.
É o jogo, a selva das relações internacionais, cada vez mais voltado para interesses concretos, materiais, e não para alianças políticas. As nossas divergências com os Estados Unidos são em maior número porque com eles temos maiores relações. Eu sei o que é sofrer pressões. Ao deixar o governo, em 12 de março de 90, falei delas: "Sofremos sanções e combate, sem o necessário respaldo interno. Cercados, ilhados, enfrentamos o boicote da comunidade internacional e a suspensão de investimentos. Resistimos. Não entregamos um milímetro da soberania e do interesse nacional como contrapartida para qualquer negociação. Não cedi, não concedi".
A economia é transitória. Permanentes são os objetivos nacionais. Deles não podemos abdicar. A miragem da modernidade e do neoliberalismo não deve nos levar a concessões.
O embaixador Levitsky deixa uma lição: fazer como os americanos. Lutar pelos nossos interesses, não abdicar, não tergiversar. O fim das barreiras comerciais aos produtos brasileiros é melhor que uma noite em Camp David.

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