São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 1998
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O discurso da contra-reforma

REINHOLD STEPHANES

A maioria daqueles que são contra a reforma da Previdência baseia seus argumentos em mitos criados ao longo do tempo, que, repetidos à exaustão, quase superaram a realidade. Isso ficou claro durante o processo de votação da emenda no Congresso Nacional, quando a oposição contribuiu para estabelecer um clima maniqueísta, assumindo o papel de "mocinho" em defesa de trabalhadores e de aposentados brasileiros. Ao governo, coube o rótulo de antagonista, acusado de agir com maldade apenas para prejudicar milhões de pessoas.
Quando o projeto é analisado sob aspecto técnico, fica clara a grande diferença entre o discurso e a realidade. Observem, por exemplo, um dos principais argumentos contrários: o de que a situação da Previdência agravou-se porque retiraram R$ 21 bilhões dos recursos da seguridade social desde 1995. Ora, esses recursos foram empregados no pagamento de funcionários públicos aposentados, com base na interpretação da Constituição de 1988. A oposição sabe, mas omite, que os gastos com a folha de pessoal dobraram e a arrecadação do Estado não cresceu o suficiente para suportar essa carga. Por isso, há oito anos têm sido utilizados recursos da seguridade social, o que seria mais uma razão a favor da reforma.
Há os que afirmam que a reforma é o meio mais rápido para privatizar a Previdência, evocando o exemplo do Chile. No entanto, a opção feita pelo Brasil foi a de ajustar o modelo clássico de repartição. De fato, nosso sistema passará a ser contributivo, mas o regime do INSS sofrerá poucas mudanças. No serviço público, área em que ocorre a maior parte das alterações, poderá ser criado um fundo de previdência para quem ganha acima de R$ 1.200, instituído pelos próprios governos, portanto sem atrair capitais estrangeiros. Aliás, o fundo também faz parte do projeto do Partido dos Trabalhadores. No entanto, recentemente, parlamentares da mesma bancada tentaram suprimi-lo por meio de destaque, o que mostra total incoerência. Além disso, o modelo de reforma proposto pela oposição era mais rigoroso do que o que está em votação. A diferença é que transferia o custo do ajuste para as futuras gerações, que não estão participando do debate, em vez de dividi-lo com a atual geração de trabalhadores.
Fala-se muito também em defesa dos mais pobres, que vivem no interior e que trabalham na lavoura desde os 12 anos. É importante observar que esses sempre tiveram uma idade mínima para a obtenção da aposentadoria, portanto não serão afetados pela reforma. Na verdade, quando criticam a adoção de uma idade mínima, os contrários estão defendendo categorias bem organizadas e mais bem situadas na sociedade, que podem se aposentar cedo e por tempo de serviço, ou seja, aqueles que ganham mais, contribuem menos e cuja conta é paga com a contribuição de trabalhadores que ganham menos.
Para outros, a reforma não seria necessária caso a Previdência se empenhasse em recuperar cerca de R$ 29 bilhões em débitos. Esquecem propositadamente que esse montante corresponde a débitos acumulados há mais de 40 anos, oriundos de empresas falidas, que estão em concordata ou não existem mais, e está sendo cobrado na Justiça. A idéia que a oposição quer transmitir é que os autores do projeto de reforma são pessoas que querem prejudicar a população ou trabalham em prol de "interesses internacionais". Além disso, que o fato de estabelecer como regra de transição uma idade mínima para a aposentadoria para os que já estão no mercado (de 48 anos, para a mulher, e de 53 anos, para o homem) vai contra os trabalhadores brasileiros. Querem assim driblar a realidade, na qual 95% dos trabalhadores de baixa renda se aposentam com idade acima desse limite, enquanto 50% dos que têm renda média e alta se aposentam com menos.
Outra incoerência daqueles que se autoproclamam defensores dos mais pobres diz respeito à rejeição de um subteto para os benefícios pagos aos servidores. A maioria dos países limita o valor máximo da aposentadoria paga pelo sistema previdenciário público, que não ultrapassa US$ 5.000. Entretanto, no serviço público brasileiro, o teto máximo alcança R$ 12.720. Era de esperar que a oposição se colocasse a favor do subteto e contra os marajás do serviço público.
A conclusão é que o embate ideológico apenas adiou o início de uma nova etapa para a Previdência Social, mas não conseguiu evitá-la. Os ajustes, embora insuficientes, vão reconduzir o sistema brasileiro à boa técnica e à doutrina, assegurando os direitos daqueles que estão aposentados e dos que hoje mantêm o sistema. Dessa forma, serão os resultados obtidos que irão comprovar que o bom senso e a lógica prevaleceram sobre a intransigência e a ignorância.

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