São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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Política, mentiras & videoteipe

MOACYR SCLIAR

"Na era da propaganda, todo candidato é mentiroso."
Marcelo Coelho, 1.7.98

Considerando que a mídia hoje é tudo em política, o partido resolveu que todos os candidatos a candidatos deveriam mostrar sua habilidade frente às câmeras. Para isso, organizaram uma simulação. Em estúdio, os postulantes seriam interrogados por ferozes entrevistadores. Os que se saíssem melhor integrariam a nominata.
No dia marcado, centenas compareceram ao local. Um a um era admitido no estúdio e submetido a uma barragem de perguntas. Muitos mentiam, claro. Mas este era o problema: as mentiras não eram convincentes. E a comissão encarregada da seleção ia eliminando um a um.
Finalmente apareceu um candidato, estranho e pitoresco na aparência, mas de desempenho absolutamente soberbo. Mentia como ninguém. Crivavam-no de questões, ele se saía com notáveis fabulações, sempre ditas com ar de absoluta sinceridade. Enfim, atuação extraordinária.
Apesar disso, a comissão o rejeitou. Irritadíssimo, o candidato a candidato quis saber o motivo daquilo que lhe parecia perseguição pessoal.
-Você de fato mente muito bem -disse o chefe da comissão. -Mentiu melhor do que qualquer um dos que o precederam. Mas não serve. Por três razões. A primeira: você é muito jovem, não tem idade suficiente para ser candidato. A segunda: você é um boneco de madeira. Você alegará que é vantagem, que ninguém é mais cara-de-pau que você, mas a Justiça Eleitoral não aceitará esse argumento. A terceira e mais importante: o seu nariz cresce cada vez que você mente. E nariz que chega até a câmera não serve.
Sem responder, o boneco foi embora, irritado, proferindo impropérios. O que a comissão já esperava; afinal, se até o bom Gepeto tinha problemas com o Pinóquio, não seriam eles exceção, seriam?

O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal

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