São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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Último suspiro do século

MARILENE FELINTO

Foram 2.000 anos de história para acabar nisso: futebol, Paulo Coelho e Macdô (o McDonald's francês). Que o último suspiro da expressão da cultura francesa neste século aconteça exatamente no âmbito do futebol é apenas ilustrativo do processo de decadência dessa cultura, ou, como disse um amigo, de "brasilização" da França.
A França é de antes de Cristo, sua fundação data do surgimento de Marselha, em 600 a.C. Neste fim de século, os franceses vivem uma espécie de inferno astral, uma crise de popularização, de internacionalização forçada.
A crise começa na cozinha e na alta costura francesas, passa pela perda de importância da língua no cenário mundial, pela mediocrização da literatura e se estende à crise do emprego e do sistema de trabalho. A alta costura, presente no desfile brega das ruínas de Yves Saint Laurent antes do jogo, quer seduzir o estádio.
A "nouvelle cuisine" já não resiste a um hambúrguer do Macdô. Quanto à língua, toda uma polêmica por conta de neologismos e da "feminização" de certas palavras invadiu os jornais franceses. A Academia Francesa, que zela pela língua, usou recursos jurídicos contra o governo socialista de Lionel Jospin, que é pela feminização de termos nos serviços públicos. A Academia quer a língua mais morta do que ela já está. Quer evitar que "attaché" (adido) admita a variante feminina "attacheé" (adida).
Preciosismo de aristocratas perdidos num mundo "superpopulado" e globalizado. No que diz respeito à crise no sistema de trabalho, basta notar que a França pipoca de greves ou ameaças de greve todo dia: na Air France, na France Télécom (companhia de telefones), nos Correios.
O problema é que o espírito aristocrata francês não combina muito com trabalho. A França nivelou por cima a revolução burguesa que se comemora todo 14 de julho: todo burguês, pequeno comerciante ou trabalhador francês tem um rei na barriga. Os garçons, os balconistas das lojas, os empregados dos hotéis, todos detestam servir, atendem mal, acham-se todos reis. Embora isso seja uma constante na Europa toda, na França é pior.
Haverá quem diga que isso é sabedoria, esse protesto contra o trabalho "excessivo". Tudo bem, se o prejudicado pela folga francesa não fosse todo o Terceiro Mundo, que eles exploram.
Que o Brasil tenha perdido da França em Paris, no Stade de France -e ao som da "Marselhesa", o hino mais lindo do mundo, única coisa que me emocionou escutar ao vivo nessa Copa do Mundo-, não significa nada. Ganhar ou perder, no futebol, não tira o Brasil do lugar inexpressivo que ele tem no mundo.
Para a França, a vitória é importantíssima, é o último suspiro da nação francesa neste fim de século. Agora, desdizendo o Jacinto de Eça de Queiroz, já não é tão grave deixar a Europa. Já não se levam mais "caixotes de civilização" aqui de Paris para Portugal... quer dizer, para o Brasil.

E-mail: mfelinto@uol.com.br

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