São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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Futebol instrumentalizado

GILBERTO VASCONCELLOS

Desde Roma, o poder sempre instrumentalizou o esporte. O futebol não existe separado da sociedade, o futebol é reflexo da sociedade. Não é inconsciente a tendência de sobrevalorizar o futebol, especialmente no Brasil.
A expansão do futebol, a ênfase exagerada sobre esse esporte traz consigo também uma expansão da TV, não só no aumento de aparelhos televisivos como também no sentido instintivo. O povo passa a ver (e aceitar) a TV como um juiz, algo prazeroso, imparcial, como se a TV não fosse propriedade de alguém, como se não estivesse vinculada ao poder.
Cada jogo de futebol é uma afirmação do "médium televisivo". De nada adianta um político descer o pau na TV hegemônica se o povo todo vibra, esperneia, fica fanatizado com a cobertura da Copa. Porque hoje o futebol é vídeo. Tanto é verdade, que ninguém mais vai aos estádios, pelo menos aqui no Brasil. Temos uma inversão: o futebol é instrumento da TV e não o contrário. É tremendamente prejudicial à democracia. Estamos num país ágrafo, um país que não tem letras, onde a escola da população é o futebol, a telenovela e o programa de auditório.
O Ronaldinho é o símile do modelo capitalista videofinanceiro. As pessoas que o idolatram, em sua maioria, jamais o viram jogando no Maracanã, o palco maior do futebol. O Ronaldinho é fruto da mídia -não discuto suas qualidades técnicas. Ele é um videojogador. Os países europeus viram mais o Ronaldinho do que os brasileiros. Não é uma particularidade apenas do Brasil. A "esportização" é uma tendência mundial. Mas eu não sinto que na Europa o peso do futebol atinja essa proporção. Estamos nos especializando, dentro da divisão internacional do trabalho, em ser o país do futebol. Tudo bem, mas só isso é muito pouco.
Estou filiado a uma tradição da cultura brasileira que vê com certa reticência essa paixão pelo futebol no Brasil.
Discordo de quem diz que uma vitória da seleção não teria influência na eleição para a Presidência. Se não importasse, não haveria polêmica em torno da escala que a seleção iria cumprir no retorno da França. Uma vitória da seleção favoreceria FHC, como cada jogo de futebol transmitido pela Globo é uma maneira de a Globo se afirmar perante a população. Não sei se o Lula será favorecido por uma derrota da seleção, talvez a causa efeito não seja a mesma. O fato é que se houvesse uma vitória da seleção na Copa do Mundo, o torcedor assimilaria que o presidente dele é o máximo, que a TV é o máximo, que o Ronaldinho é o máximo.
Não acho que todos tenham de ignorar a Copa e ficar lendo Kant. Não é isso. Eu gosto do lúdico, não da competição. Não é à toa que a palavra central do neoliberalismo é a competitividade.

Gilberto Felisberto Vasconcellos, 49, é professor de ciência sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG)

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