São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 1998
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Black music dá parabéns Atlantic, 50

SYLVAIN SICLIER
DO "LE MONDE"

Black music dá parabéns à Atlantic, 50
"Nós queríamos escutar as músicas que as outras companhias não difundiam." O que predispunha um jovem homem saído do melhor mundo, estudante de filosofia, à adicionar a sua conta bancária um empréstimo de alguns milhares de dólares para fundar uma gravadora?
Após duas tentativas inconclusas, a gravadora Atlantic -que completa 50 anos de existência- iria se tornar uma das mais importantes gravadoras dos Estados Unidos, devido, entre outras razões, ao papel que desempenhou na popularização da música negra norte-americana. Aparentemente não seria grande coisa.
Ahmet Ertegun é um dos filhos de Mehmet Munir Ertegun, diplomata turco que trabalhou nos EUA, que foi um dos signatários do Tratado de Versalhes. A mãe de Ahmet Ertegun adorava tocar piano e cantar. A família vivia em Washington nos anos 30.
Artes
Que a família, devido a suas origens e sua função, se interessasse por artes, nada de surpreendente. Que até sonhasse em se misturar com aqueles que faziam jazz, sem deixar de lado o surrealismo francês, também é aceitável. Mas, daí a se tornar íntima de um meio que passa suas noites em clubes frequentados por "malandros", músicos de jazz e garotas eventualmente "perdidas", é outra história.
A idéia do filho de boa família junto aos "marginais" agradou a Ahmet Ertegun, mesmo ela sendo de certa forma uma interpretação da realidade: "Nós também éramos estrangeiros na América branca", traduz.
O que teria incitado um senhor de 75 anos -nascido em Istambul, em 1923- a passar uma tarde de domingo em sua casa parisiense lembrando algumas sessões de gravação e refazendo a história da Atlantic, mesmo se a nostalgia não é uma forte característica de sua personalidade? Nada, mesmo no melhor dos mundos imagináveis da indústria do disco.
Um dos fundadores da Atlantic, Ahmet Ertegun adora encontrar as pessoas, trocar idéias, explicar tranquilamente que um quadro oriental em sua parede lhe lembra que trocaram, no sul da Turquia, um domínio otomano, com paisagens de laranjais, pela conservação dos traços originais de sua história arquitetônica.
Poderia-se dizer que esse fundador da Atlantic não tem mais atualmente as responsabilidades de outrora. Em um mundo de multinacionais, a Atlantic não se distingue verdadeiramente de seus concorrentes. A maior parte das gravadoras independentes se tornaram filiais dos grandes grupos, e a cada ano se processam novas aquisições e transferências.
Mas, mesmo no tempo em que era todo-poderoso, Ahmet Ertegun sempre esteve disponível. A porta de seu escritório vivia aberta. Era fácil encontrá-lo. Bastava procurar em qualquer lugar onde se pudesse escutar um pouco de jazz, blues, soul ou rock.
Homem de muita elegância, esse senhor culto lê e fala um francês diferenciado e passa rapidamente ao inglês quando precisa utilizar um termo técnico. Quando fala de seus amigos Mick, Phil ou Eric, quer dizer Mick Jagger, Phil Collins e Eric Clapton. Fala naturalmente, são seus próximos.
Em 19 de janeiro, Ahmet Ertegun recebeu o título de "Homem do Ano" em uma cerimônia no Carlton, em Cannes, organizada durante o Midem, a reunião anual dos profissionais do disco.
Uma recompensa que ajudou a marcar os 50 anos do selo Atlantic e a homenagear uma presença constante em toda a segunda metade do século 20.
"Isto certamente parece um pouco clichê, mas, quando começamos a Atlantic, era porque queríamos escutar músicas que as outras gravadoras não mostravam ou mostravam mal", explica Ahmet Ertegun.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a matéria-prima para fabricar os discos foi severamente racionada. Com o fim da guerra, a América, que não viveu o conflito em seu território, mas enviou muita gente para o combate na Europa, sentiu necessidade de se divertir. Ahmet Ertegun e seu irmão Nesuhi, cinco anos mais velho, deram então ao país o que ele esperava.
Obviamente ocorreram alguns fracassos no início, mas rapidamente o selo se tornou um reduto formidável para a música negra norte-americana, fosse ela soul ou rhythm'n'blues.
"Como eu vivia nos clubes, como eu descobrira há pouco o jazz e depois, graças a meu irmão, o gospel, tive a intuição de que a música negra norte-americana iria deslanchar. Era um mercado que a maior parte das gravadoras havia deixado de lado. É claro que havia Duke Ellington, Louis Armstrong, Count Basie, mas para a canção ainda faltava alguma coisa. E uma boa canção, com uma boa voz que lhe dê emoção, é um sucesso. Não sempre, mas frequentemente."
Houve os primeiros grupos vocais, como The Coasters, The Drifters ou The Clovers. Phil Spector, com seus Shangri-las ou suas Ronettes, e Berry Gordy, com o selo Tamla Motown, se lembram bem.
Desde então, o selo estava lançado. Ahmet Ertegun sabe bem de quem se cercar. Sabe também delegar funções para personalidades fortes, outra característica que o "business" esqueceu, ao multiplicar as subdireções, nas quais se repassam as responsabilidades como uma batata quente, mas em que se reivindica a paternidade quando surge um sucesso.
Ahmet Ertegun viu o ambiente evoluir. Seu sentido (inato?) de diplomacia lhe impede de fazer um julgamento muito severo sobre os que se tornaram dirigentes da maior parte das gravadoras.
"Há talvez mais advogados que em outras épocas e um pouco menos de gente com ouvido musical", filosofa com um sorriso enigmático.
Se carrega ainda o título de copresidente do grupo Atlantic, Ahmet Ertegun tem atualmente menos controle sobre o selo. Mas continua a dar palpites sobre certas escolhas e se diz sempre sensível ao surgimento de novas vozes.
"Mas tudo anda muito rápido atualmente. As gravadoras têm necessidade de ocupar o mercado. Assinam-se contratos com os artistas, eles gravam, fazem sucesso e se passa ao próximo. Mas, quando começamos, também já diziam que tudo ia rápido demais. Que o público não tinha tempo de conhecer todos os novos artistas."
Se ele não tem receitas para fabricar um sucesso, Ahmet Ertegun tem, em contrapartida, algumas idéias sobre o que faz um bom produtor.
"É necessário saber dizer não, saber dizer a um artista que te apresenta a 'obra do século' que aquilo não vale muita coisa. Mas, se você vai lhe dizer isso, é bom que não esteja enganado."

Tradução Luiz Antonio Del Tedesco

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