São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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"O CARRASCO"

Peça é baseada na técnica do ator

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"O Carrasco" é uma lição de teatro, no sentido mais nobre. Parte do tema da importância do carrasco na manutenção do poder costurando trechos de Genet, Bergman e Kurosawa, entre outros. Não se deve recear, no entanto, um espetáculo excessivamente técnico ou discursivo.
Na entrada, o público deve contornar uma longa mesa de taverna, com três personagens como que saídos de fábulas. Uma bruxa arquetípica, a quem não falta sequer um cachimbo que enche a sala de odores; no primeiro plano, um rosto trágico e ensanguentado traz claramente o estigma do carrasco, e frente ao público, do outro lado da mesa, um ladrão imerso em ironia de embriaguez ou de desamparo. O carrasco ficará calado a maior parte do tempo: é dele que se fala. Os outros dois trocam histórias de um lirismo intensamente trágico, sem pressa, dando a cada palavra seu peso, na melhor tradição francesa.
Quando o tema parece esgotado, as luzes se apagam por um breve momento e se acendem para revelar os atores em transformação. Renata Collaço, a bruxa, tira seu figurino com enchimentos e revela sua figura miúda; junto a Stephane, em uma simultaneidade delicadamente coreografada, pegam de trás da mesa estojos de maquiagem e fazem o espetáculo evoluir alguns séculos, para o solilóquio elisabetano.
O texto que se segue, de várias peças de Genet, adquire identidade própria, como se fosse um trecho recém descoberto de Maquiavel, no qual o juiz revela sua dependência do carrasco. O terceiro quadro, situado na Segunda Guerra, dá margem para que Renata construa uma personagem inesquecível, de teatro nô, que se vê nos filmes de Kurosawa e cujo verdadeiro nome é o silêncio.
Só no último quadro é que ouvimos o carrasco, em toda a sua humanidade, revelando o quanto Marcus Pina, que como Renata é aluno de Stephane e de Ana Teixeira, aprendeu da técnica do Théâtre du Soleil de Mnouchkine.
Não só um espetáculo a ser visto, mas um grupo a ser seguido, pois revela uma técnica bem embasada e aberta para investigação.


O Carrasco
    
Texto: Pär Lagerkvist
Direção: Ana Teixeira
Com: Stephane Brodt, Renata Collaço e Marcus Pina
Onde: Sesc Belenzinho - galpão do meio (av. Álvaro Ramos, 915, tel. 6605-8143)
Quando: sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 30/6
Quanto: de R$ 5 a R$ 15



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