|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O CARRASCO"
Peça é baseada na técnica do ator
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"O Carrasco" é uma lição
de teatro, no sentido mais
nobre. Parte do tema da importância do carrasco na manutenção do poder costurando trechos
de Genet, Bergman e Kurosawa,
entre outros. Não se deve recear,
no entanto, um espetáculo excessivamente técnico ou discursivo.
Na entrada, o público deve contornar uma longa mesa de taverna, com três personagens como
que saídos de fábulas. Uma bruxa
arquetípica, a quem não falta sequer um cachimbo que enche a
sala de odores; no primeiro plano,
um rosto trágico e ensanguentado
traz claramente o estigma do carrasco, e frente ao público, do outro lado da mesa, um ladrão imerso em ironia de embriaguez ou de
desamparo. O carrasco ficará calado a maior parte do tempo: é dele que se fala. Os outros dois trocam histórias de um lirismo intensamente trágico, sem pressa,
dando a cada palavra seu peso, na
melhor tradição francesa.
Quando o tema parece esgotado, as luzes se apagam por um
breve momento e se acendem para revelar os atores em transformação. Renata Collaço, a bruxa,
tira seu figurino com enchimentos e revela sua figura miúda; junto a Stephane, em uma simultaneidade delicadamente coreografada, pegam de trás da mesa estojos de maquiagem e fazem o espetáculo evoluir alguns séculos, para o solilóquio elisabetano.
O texto que se segue, de várias
peças de Genet, adquire identidade própria, como se fosse um trecho recém descoberto de Maquiavel, no qual o juiz revela sua dependência do carrasco. O terceiro
quadro, situado na Segunda
Guerra, dá margem para que Renata construa uma personagem
inesquecível, de teatro nô, que se
vê nos filmes de Kurosawa e cujo
verdadeiro nome é o silêncio.
Só no último quadro é que ouvimos o carrasco, em toda a sua humanidade, revelando o quanto
Marcus Pina, que como Renata é
aluno de Stephane e de Ana Teixeira, aprendeu da técnica do
Théâtre du Soleil de Mnouchkine.
Não só um espetáculo a ser visto, mas um grupo a ser seguido,
pois revela uma técnica bem embasada e aberta para investigação.
O Carrasco
Texto: Pär Lagerkvist
Direção: Ana Teixeira
Com: Stephane Brodt, Renata Collaço e
Marcus Pina
Onde: Sesc Belenzinho - galpão do meio
(av. Álvaro Ramos, 915, tel. 6605-8143)
Quando: sáb., às 21h, e dom., às 20h; até
30/6
Quanto: de R$ 5 a R$ 15
Texto Anterior: Teatro: "Coração Inquieto" vai além do mito de Agostinho Próximo Texto: Mostra de dramaturgia contemporânea: Abertura do ciclo sintetiza nova realidade com fuga da tradição Índice
|