São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

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"Volta ao Dia..." apóia intimismo em Cortázar

DA REPORTAGEM LOCAL

A peça começa com duas mulheres que adentram um espaço sugerido como um apartamento. Aparentemente, Ana e Margrit não se conhecem. Aparentemente, estão de passagem. Em viagem, talvez.
Eis o ponto de partida para a sucessão de cenas não-lineares em que essas duas personagens de "Volta ao Dia..." vão expor instantes ridículos e poéticos da vida cotidiana, principalmente no plano íntimo que irão dividir com o espectador.
As personagens interagem entre si e, por momentos breves, desenvolvem solos que reúnem depoimentos das próprias atrizes, Maureen Miranda (Ana) e Christiane de Macedo (Margrit), além de fragmentos de contos e romances do escritor argentino Júlio Cortázar (1914-1984), tudo costurado pela dramaturgia de Marcio Abreu, que também assina a direção.
"Volta ao Dia..." foi considerado um dos principais destaques do Fringe 2003, a mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba. De lá para cá, a montagem conquistou os principais prêmios do Paraná, cumpriu temporada no Rio e foi vista em um festival da Argentina meses atrás.
Finalmente, poderá ser acompanhada em São Paulo, numa curta temporada de um mês, a partir de hoje, no teatro Aliança Francesa. Abreu, 32, que já trabalhou com Felipe Hirsch, como também as atrizes, decidiu utilizar o material estético e temático de Cortázar como ponto de partida na realização de "um trabalho que não transpõe determinado texto dele, mas reflete sua obra como um todo".

Imagens
Como recurso narrativo, ele entremeia os diálogos com projeção de imagens de filme super-8 rodado pelo próprio diretor com as intérpretes. Foi ao ler uma frase do escritor argentino que Abreu teve a idéia de montar a peça:
"Quando não se tem muita certeza de nada, o melhor é criar deveres para si mesmo, como bóias." Está lá no conto "O Perseguidor". A época era 1999, justamente quando adaptou e dirigiu em Curitiba o espetáculo "Adeus, Robinson!", texto radiofônico de Cortázar.
"Há muito que as certezas absolutas, fortes indicadores de ignorância, poder, moralismo, religiosidades desesperadas, preconceito e desamor, não me seduzem mais. A dúvida pode ser um fator de paralisia, sono, enfermidade e morte, mas, com grande dose de risco, talvez seja o fator de propulsão, o que gera o movimento, mostra a inquietação, tonifica os músculos do corpo", escreve Abreu sobre a montagem.

Universo feminino
Para a atriz Christiane de Macedo, 41, "Volta ao Dia..." lhe cobra uma performance técnica apurada, acima da conta, justamente por tocar em questão delicadas que dizem respeito ao universo feminino. Mas não só.
"A gente fala de coisas muito comuns, mas íntimas, como comentar e mostras as partes do corpo que mais incomodam a personagem, ou fazer xixi, simplesmente, mas tudo sem apelação, sem cair no vulgar", diz Macedo, 20 anos de carreira.
"No teatro, tem a questão da imagem e da palavra. Nesse trabalho, a gente tanto se expõe como imagem quanto reforça a ação com a palavra. É muito difícil conciliar", afirma a atriz.
Marcio Abreu é carioca, mas está radicado há 15 anos em Curitiba. Também é ator. Na capital paranaense, fundou o grupo Resistência de Teatro (1992-1999). Agora, integra a Companhia Brasileira de Teatro. Simples e direto assim. (VS)


VOLTA AO DIA...
Dramaturgia, roteiro e direção: Marcio Abreu. Com: Maureen Miranda e Christiane de Macedo. Cenário e figurinos: Teca Ficinski. Iluminação: Nadja Naira. Música original e sonorização: Octavio Camargo. Quando: estréia hoje, às 21h; qua. e qui. às 21h. Onde: teatro Aliança Francesa (r. General Jardim, 182, tel. 3123-1753). Até 25/3. Quanto: R$ 20.



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