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CINEMA/CRÍTICA
Filme de estréia do diretor de origem marroquina Ismaël Ferroukhi aborda relação de jovem com o pai
Processo de revelação guia "A Grande Viagem"
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Séculos antes de o cinema inventar o "road movie", as peregrinações religiosas já funcionavam como situações adequadas para exercícios de autoconhecimento. O diretor de origem
marroquina Ismaël Ferroukhi
junta as duas situações numa só
em seu longa de estréia, "A Grande Viagem", e alcança um filme
honesto e esclarecedor.
O trabalho mostra a difícil relação de Reda, um jovem de 17
anos, com seu pai, um senhor de
origem árabe que migrou para a
França. Em comum, fora os laços
sangüíneos, pouco os une. Reda
não se interessa pelos ritos religiosos, namora uma garota não-muçulmana e só fala francês e inglês.
Seu pai é fiel às tradições, só se expressa em dialeto norte-africano e
pouco se comunica com o filho.
Uma peregrinação a Meca vai
juntá-los num mesmo veículo,
num trajeto de mais de 5.000 km,
da França à Arábia Saudita.
Em direta referência ao "Viagem à Itália", de Roberto Rossellini, Ferroukhi constrói seu relato
de forma mais direta e sem sentimentalismos possível. A viagem,
tal como pai e filho a experimentam, é um trajeto marcado por
conflitos, rupturas e aproximações, mas é antes de tudo um processo de revelação.
Ovelha desgarrada da tradição
familiar, Reda vai funcionar para
o espectador como o guia do
olhar. Para isso, Ferroukhi despe
a atenção para qualquer tipo de
interesse turístico. Na maioria das
vezes, pai e filho percorrem espaços quaisquer, destituídos de significados simbólicos: estradas,
postos de controle, hotéis e desertos. Já em lugares sobredeterminados, como a mesquita azul na
Turquia e o encontro com os peregrinos em Meca, o diretor se esforça para alcançar um olhar "de
dentro", capaz de fazer compreender seu significado místico,
mas descarregando-o das falsificações dos orientalismos.
Nessa passagem do Ocidente
para o islã, Redá funciona como o
passageiro que aprende a ver. Seu
lugar, mais fora do que dentro das
tradições muçulmanas, impede
que ele viva as peculiaridades culturais sem confrontá-las com seus
próprios preconceitos. Desse modo, sua viagem não corre o risco
de se transformar num percurso
apenas pedagógico, mas chato,
para o espectador.
Ferroukhi explora pelo cinema
um modo viável de entendimento
distante do confronto de visões
que cada um de nós é posto hoje,
como se fosse suficiente se posicionar de um lado ou de outro do
"choque de civilizações" para estar no mundo. Ferroukhi , ao contrário, adota a postura de abolir
essa mentalidade do confronto ao
oferecer um percurso de iniciação
no qual cada quilômetro que se
avança se converte numa outra
forma de conquista, em que para
ser civilizado basta entender a civilização dos outros.
A Grande Viagem
Le Grand Voyage
Direção: Ismaël Ferroukhi
Produção: França/Marrocos, 2005
Com: Nicolas Cazalé, Mohamed Majd
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