São Paulo, sábado, 08 de abril de 2006

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TEATRO/CRÍTICA

Didatismo limita alcance de "O Fingidor"

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando estreou em 1999, "O Fingidor" foi uma grata surpresa, que lançava Samir Yazbek enquanto um dramaturgo promissor. Dirigindo, produzindo e mantendo sua fé no texto, Yazbek conseguiu para ele uma carreira privilegiada, que agora culmina nesta bem cuidada temporada do Tuca, depois de uma consagradora turnê internacional. Sem diminuir os muitos méritos do espetáculo, é preciso agora afirmar que Yazbek escapou da má sorte de estrear com sua obra-prima.
O texto tem um ponto de partida instigador, sendo uma parábola sobre o criador que, mesmo festejado pela obra, é menosprezado enquanto pessoa; e, para esSa tese, nada melhor que a esquizofrenia artística de Fernando Pessoa. Muito já se viu nos palcos o poeta discutindo com seus heterônimos, e aqui estão eles de novo, em alucinação. Desta vez, porém, a idéia de fazê-lo encarnar pessoalmente um personagem -o simplório datilógrafo Jorge Madeira- para auxiliar o pedante crítico José Américo em um ensaio sobre sua obra tem o frescor de uma piada inteligente: o crítico só endossa o consagrado e desconfia do anônimo.
O texto assim celebra Pessoa no que ele tem de melhor, sua capacidade de tirar poesia dos pequenos eventos cotidianos, aceitando com dor a mediocridade da vida. É uma bela introdução a sua obra, e pode se comemorar o fato de que ele tenha sido escolhido pelo Programa Nacional de Biblioteca da Escola para ser distribuído para alunos da rede pública.
Essa responsabilidade didática cobra seu preço. O conceito "heterônimo", por exemplo, é explicado pelo crítico a seu datilógrafo, em um dos muitos efeitos cômicos que a situação permite, mas assim mesmo soando forçado. Várias citações de poemas se justificam como antologia, sendo difícil encontrar sempre uma justificativa verossímil para os personagens se porem a recitar.
Assim, o único personagem redondo é Fernando Pessoa. Levado com uma técnica e um carisma chaplinianos por Hélio Cícero, talvez em sua melhor performance, a discreta anarquia do poeta é apaixonante. Douglas Simon, por outro lado, no papel bem mais limitado do crítico José Américo, tem pouco mais a fazer além de ser convencional, a exemplo da abnegada irmã Henriqueta, feita com delicadeza por Talita Castro, e mesmo a discreta empregada Amália, que exige pouco da grande Mariana Muniz, com o mérito sobretudo de evitar o melodrama.
Os heterônimos, supérfluos na trama, se destacam pela engenhosidade dos figurinos de Elena Toscano, em tema e variações que definem claramente a essência de cada um. A encenação de Yazbek, eficiente no uso de painéis deslizantes, se desgasta pela repetição, apesar de bem amparadas pela luz de Celso Marques e trilha de Raul Teixeira.
É um espetáculo marcante, dentro de suas poucas pretensões iniciais. É preciso, no entanto, evitar que Yazbek seja celebrado pelo que ele tem de mais prudente. Os seus textos seguintes têm mais desenvoltura, e o seu melhor ainda está por vir.


O Fingidor
  
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; em cartaz até 7/5
Onde: Tuca (r. Monte Alegre, 1.024, Perdizes, tel. 3670-8455)
Quanto: R$ 12 a R$ 30


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