São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2010

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Crítica/"Simplesmente Eu, Clarice Lispector"

Beth Goulart personaliza e dá vida a Lispector em monólogo

Atriz logra vivificar no palco do CCBB a maior escritora brasileira do século 20

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
A atriz Beth Goulart interpreta a escritora Clarice Lispector no CCBB-SP, em espetáculo do qual é também responsável pela seleção dos textos e pela direção

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Mitos são histórias de vidas humanas que se eternizam. Quando alguém vira mito sua vida torna-se objeto de narrativas. O espetáculo "Simplesmente Eu, Clarice Lispector", criado por Beth Goulart, realiza a proeza de vivificar em cena a maior escritora brasileira do século 20, como se ela pudesse narrar-se e à sua literatura.
Não é a primeira vez que Lispector e seus textos tornam-se temas de adaptação teatral. O que é singular aqui é o caráter autoral que a atriz imprimiu, responsabilizando-se pela seleção dos textos, sua transposição à cena e pela própria direção. O acúmulo de atributos engrandeceu o projeto, na medida em que a ambição artística dilatou-se e resultou em um trabalho personalíssimo.
É Clarice Lispector quem pergunta: "Por que será que a gente luta tanto para produzir uma obra de arte?". A questão é pertinente à própria encenação. Afinal Goulart joga alto para se transmutar numa aparição de Lispector. Mas ela não é um fantasma. De carne e osso, precisou mergulhar nos abismos insondáveis da escritora, não sem riscos e perdas. Seu mérito é, pois, inquestionável.
Parte das falas escolhidas foi extraída de depoimentos, entrevistas e cartas. Eles geram os pontos altos do espetáculo: a fala de Clarice no seu melhor e a perfeição com que os seus traços característicos são reconstituídos em um trabalho meticuloso de interpretação.
A essas cenas são intercaladas outras em que a atriz torna-se personagem da literatura de Clarice. Falas retiradas de dois romances e de dois contos criam momentos em que se abandona a caracterização de escritora e costuram-se emanações de sua ficção.
Nesses registros mais abertos, demarcados por trocas de figurino e alterações de luz, o desempenho da intérprete é desigual. A Joana de "Perto do Coração Selvagem" não está a altura da Clarice que ela constrói, mas a personagem do conto "Perdoando Deus" rende-lhe seu momento mais brilhante, quando desaparecem as diferenças entre a atriz, a autora e suas criaturas, e todas se somam em algo maior que só o teatro poderia propiciar.
Texto do programa cita Lispector defendendo uma "pureza teatral específica". Talvez seja a falta dessa especificidade plena que limite de algum modo a peça. Ao optar pela mimesis perfeita de Clarice, sobrou a Goulart a fala coloquial da autora e os fragmentos literários como elementos narrativos.
Se a cenografia de Ronald Teixeira e Leobruno Gama é funcional e a iluminação de Marcelo Quinderé dialoga bem com as situações narradas, a teatralidade se ressente. O monólogo, de fato, concorre com perdas para a leitura solitária de um livro de Clarice, ainda que vocalizado e corporificado.
Só uma cena emancipada em que a literatura se tornasse outra coisa a superaria. Mesmo assim, o mito Clarice fica de pé e torna viva a sua voz.


SIMPLESMENTE EU, CLARICE LISPECTOR

Quando: sex. e sáb. às 19h30, dom. às 18h; até 20/6
Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651)
Quanto: R$ 15
Classificação: 12 anos
Avaliação: bom




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