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"CONTOS DE SEDUÇÃO"
Peça do Tapa alia pesquisa e diversão
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Contos de Sedução" é um
vaudeville puro-sangue.
Isto é: gravita em torno da vaporosa Paris do fim do século 19,
com a ética sexual flexível até os limites da caricatura, sem perder a
retórica elegante nem o bom humor bonachão. Nada de profundo nem explícito: sedução. Em cenas curtas, seis contos de Guy de
Maupassant são alinhavados por
flashes que mostram o próprio
autor, já corroído pela sífilis, sonhando sua obra.
Indulgente com a superficialidade burguesa, dirão os patrulheiros do didatismo teatral. Por
outro lado, os defensores da viabilidade econômica do teatro a
qualquer preço -desde que não
seja o preço do ingresso- costumam se irritar com qualquer reparo ao objetivo de simplesmente
divertir a platéia, como se fosse
crime de lesa-comédia. Defender
a superficialidade em nome de
uma questionável função formadora da platéia (o público, ao se
divertir, tomaria gosto por teatro,
como se isso fosse impossível com
o drama) é na maioria das vezes
uma tentativa de justificar peças
ensaiadas às pressas, apoiando-se
na fama, e não no talento.
O Tapa escapa com maestria a
essas duas armadilhas -o didatismo da esquerda e o cinismo da
direita- ao divertir com inteligência. Sabe tornar claro por trás
da aparente inconseqüência de
Maupassant o seu olhar socialmente aguçado, quase balzaquiano. Cada conto trata do desejo em
uma classe diferente, em tema e
variações: a baronesa que se experimenta prostituta, a dona-de-casa que quer voltar a seduzir seu
marido propondo-lhe que finja
ser seu amante, o imigrante faminto no trem prestando serviço
à bela ama-de-leite que precisa
amamentar com urgência...
Em contraponto à vertiginosa
ética capitalista de prostituição,
há a amarga condição de Maupassant, que, sabendo que iria morrer de sífilis, escreve freneticamente uma vasta obra -300 contos, cinco romances, três livros de
poesia- entre a denúncia e o registro cotidiano. Baseado em uma
sólida pesquisa de J.E. Amacker,
que passou mais de uma década
debruçado sobre essa obra, e o invejável repertório do Tapa, que
vem estudando o comportamento da elite por meio de Maquiavel,
Shaw e Vianinha, entre muitos
outros, o diretor Eduardo Tolentino dá a cada cena um tom próprio, variando do escracho que
remete ao absurdo de Ionesco a
uma melancólica sutileza proustiana, sem perder o fio da meada.
Sem nada de indulgente no conteúdo, tampouco há qualquer facilitação na forma. Em 25 anos de
existência, o Tapa tem uma sólida
marca registrada de despojamento e rigor de marcas, com mudanças de cenário em cena aberta pelos próprios atores, que sustentam o espetáculo. Zécarlos Machado domina um tom de afiada e
elegante ironia, que garante dignidade ao pária Maupassant.
Brian Penido, que faz François, o
fiel camareiro, concilia um apurado tempo cômico a um patético
quase lírico. Clara Carvalho seduz
tanto pelo físico quanto pela inteligência, sem perder a precisão,
enquanto Eloísa Cichowitz, com
vigor e um belo timbre de voz, já
começa a se destacar no primeiro
time das jovens atrizes paulistas.
Com todos esses trunfos, "Contos de Sedução" vem se mantendo
em cartaz desde 2000, e não há razões para que saia, já que prova
que é possível conciliar engajamento político com requinte estético, embasamento teórico com
viabilidade comercial. Competindo com os caça-níqueis que dominam o mercado e dão má fama
ao vaudeville em nome de um sucesso superficial de público de
TV, o único erro estratégico do
Tapa é confiar na inteligência e
bom gosto da platéia -erro a
curto prazo, espera-se.
Contos de Sedução
Texto: Guy de Maupassant
Direção: Eduardo Tolentino
Com: Brian Penido Ross, Clara Carvalho,
Eloísa Cichowitz e Zécarlos Machado
Onde: Espaço Promon (av. Pres.
Juscelino Kubitschek, 1.830, Itaim Bibi,
tel. 3847-4111)
Quando: sex., às 21h30; sáb., às 21h; e
dom., às 20h; até 28/11
Quanto: R$ 20 (sex.), R$ 30 (dom.) e R$
40 (sáb.)
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