São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"EU NÃO TENHO MEDO"

Em seu novo longa, diretor napolitano faz metáfora do lado sombrio de um passado brilhante

Gabriele Salvatores filma inocência perdida

Divulgação
Cena de "Eu Não Tenho Medo", novo longa-metragem de Gabriele Salvatores, que se passa em um campo de trigo no sul da Itália


TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

A história se passa nos campos de trigo de um distrito rural do sul italiano, mas, como notou um jornalista britânico na première do filme, o cenário remete mais aos trigais de Iowa, nos EUA. Não por acaso.
A culpa não é apenas do diretor de fotografia Italo Petriccione, mas de seu maior empregador, o diretor napolitano Gabriele Salvatores (Oscar de filme estrangeiro por "Mediterrâneo"). "Eu Não Tenho Medo" é mais um filme da dupla que parece feito sob encomenda para o público norte-americano acostumado -o brasileiro não deve se incomodar, exceto talvez pelo fato de ver seu país novamente citado como paraíso da criminalidade.
Mais uma história de inocência perdida: um grupo de crianças atravessa, de bicicleta, uma paisagem idílica que esconde um segredo. Imagem cindida de uma infância dourada que encontrará sua melhor metáfora nos recortes traçados por uma colheitadeira.
"Eu Não Tenho Medo" é um desses filmes cujo fundo da imagem parece trazer sempre outra imagem: mantenham-se as bicicletas, troque-se o trigal por um quintal e o estranho garoto saído de um cativeiro subterrâneo por um extraterrestre -voltamos a um clássico de Spielberg. A diferença é que, em termos de manipulação emocional, Gabriele Salvatores não passa de um aprendiz de feiticeiro.
Estamos nos anos 70 para deleite dos figurinistas. Época das Brigadas Vermelhas e da onda de seqüestros políticos na Itália, mas o seqüestro que agita o filme não parece ter conotação política.
Salvatores pratica a política do avestruz, mas, no buraco em que se mete, ele talvez pretenda ver uma metáfora do lado sombrio de um passado resplandecente. Não chega a tanto. Seu filme tem, ao menos, o mérito de ser fiel à percepção de seu protagonista.
Se as reações de Michele (Giuseppe Cristiano), um garoto de dez anos, nos surpreendem volta e meia é porque seguem suas próprias demandas de criança. É assim que ele acaba numa encruzilhada, entre o conluio dos adultos e a solidariedade com a infância.


Eu Não Tenho Medo
Io Non Ho Paura
  
Direção: Gabriele Salvatores
Produção: Itália/Espanha/Inglaterra, 2003
Com: Giuseppe Cristiano



Texto Anterior: "Contos de Sedução": Peça do Tapa alia pesquisa e diversão
Próximo Texto: "Amizade sem Fronteiras": Dupeyron recicla a Paris cinematográfica produzida nos anos 60
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.