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"AMIZADE SEM FRONTEIRAS"
Dupeyron recicla a Paris cinematográfica produzida nos anos 60
CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Amizade sem Fronteiras"
é um melodrama hidratado por "sentimento" de época, e
sentimento, aqui, é conceito mais
importante do que aparato de figurino e de reconstituição cenográfica, itens também presentes.
O fato é que o filme faz visita à
imagem e ao espírito "perdidos"
-de Paris e do cinema feito lá
nos 60- e os transforma em memórias atualizadas e coloridas.
Temos um menino judeu, Momo, em seu bairro parisiense. É
abandonado pela família, e o velho Ibrahim -muçulmano dono
da mercearia- passa a ser seu
amigo e tutor. Dupeyron capta esse sentimento de época na radiografia da dinâmica das ruas, como
se simulasse uma memória em
movimento, sem grandes preocupações narrativas. Comércio cotidiano ativo -incluindo uma alegre prostituição- e produções
francesas de cinema ao ar livre
dão forma a esse ambiente.
Assim, o filme tenta empalhar
certo espectro cinematográfico
francês do começo da década de
60. Embora projete com interesse
esse "ambiente" para o cinema,
idéia amplificada na juventude
(marca Truffaut) do menino e em
sua comunicação hormonal e
prosaica com o bairro, no filme há
muito mais de um ecumenismo
"moderno" do aprendizado intercultural e dos deslocamentos para
territórios esquecidos. Tendência
que fica clara em uma jornada
continental de realismo de estrada para a qual a obra evolui, registro que lembra Walter Salles.
O problema maior é que, se Momo existe com vida, suas experiências recebem respostas mágicas e carga quase intimidadora de
sabedoria "simples e sublime" de
Ibrahim, o que cheira a um esforço poético desnecessário.
O tema do transporte para cenários e vestígios de lendários cinemas franceses é atual. Bertrand
Tavernier prestou em "Passaporte para a Vida" (2002) sua homenagem aos fantasmas e sombrias
imagens por trás do cinema francês da ocupação nazista.
"Amizade sem Fronteiras", em
seu núcleo, fala sobre o desabamento de uma edificação chamada família, ponto tocado pelo japonês Kore-eda no recentíssimo
"Ninguém Pode Saber". Há inclusive, nos dois filmes, o parente
que, em um belo dia, deixa bilhete
e dinheirinho em cima da mesa.
"Cuide-se." Parte daí, porém, a
reconstrução "protética" (pai que
não é pai, filho que não é filho) da
estrutura familiar, chave da obra
de Dupeyron especificamente.
Uma Amizade sem Fronteiras
Monsieur Ibrahim et les Fleurs du Coran
Direção: François Dupeyron
Produção: França, 2003
Com: Omar Sharif, Pierre Boulanger
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