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CINEMA
Sala Cinemateca exibe filmes com temática semelhante à da epopéia escrita por Euclydes da Cunha até o dia 30
Saga de "Os Sertões" se prolonga em ciclo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Os Sertões " são um pouco como a Bíblia: cada um
apanha ali o que quiser, e tudo o
que se apanha está contido no livro de Euclydes da Cunha.
Ali estão o místico retrógrado
de "Deus e o Diabo na Terra do
Sol", mas também o matador Antônio das Mortes. Ali estão os retirantes de "Vidas Secas", as armas
opressoras de "Os Fuzis" ou ainda
o misticismo e a violência de Augusto Matraga. Também é possível tirar dele um ataque razoavelmente ralo aos militares, como o
de "Guerra dos Canudos" -longas participantes da mostra que a
Sala Cinemateca exibe até o dia 30
(veja quadro ao lado).
Do mais simples ao mais complexo, do original ao rastaquera,
do mitológico ao realista, como
motivo ou consequência, nosso
Nordeste cinematográfico como
que se ordena em torno da epopéia de Canudos.
Esse Nordeste não é apenas um
cenário. Ele é para o cinema novo
o mesmo que Volta Grande para
Humberto Mauro, ou o Rio para a
chanchada: é o cenário que contém do Brasil riqueza e miséria, fé
e violência, fome e armas, perseverança, adversidade, heroísmo,
seca, delírio, humanidade, crueldade.
Os santos e os perversos, as vítimas e os algozes lá parecem ser
em geral mais ou menos a mesma
pessoa, que se desdobra. Em todo
caso, de um modo geral, o destino
é igualmente inóspito. Para o cinema novo, parece que era necessário compreender aquilo para
compreender o Brasil.
Daí tantos filmes de ficção a partir de "O Cangaceiro", de Lima
Barreto, terem como quadro o
Nordeste e o sertão. Não convém
esquecer os documentários produzidos por Thomas Farkas nos
anos 60, em que o nordestino comum, seus usos, costumes e destino foram detalhados quase à
exaustão.
O essencial dessa saga é que, ao
contrário do faroeste, não se trata
de uma épica da vitória ou da conquista territorial. A epopéia do
sertão cinematográfico, assim como a de "Os Sertões", é do conhecimento e sua dificuldade.
O esmagamento de Canudos
não é obra do militarismo, mas de
uma crença na ciência e no progresso que fez dos sertanejos de
Antonio Conselheiro o outro absoluto. A vitória final não trouxe,
portanto, uma vitória. Trouxe
"Os Sertões", ou seja, a necessidade de compreender isso.
A ligação do cinema novo -sobretudo em meados dos anos
60- ao sertão não é coisa de folclore, não é Brasil para francês ver
nem exercício de comiseração,
mas uma espécie de prolongamento do desafio lançado por
Euclydes da Cunha.
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