São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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CINEMA

Sala Cinemateca exibe filmes com temática semelhante à da epopéia escrita por Euclydes da Cunha até o dia 30

Saga de "Os Sertões" se prolonga em ciclo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Os Sertões " são um pouco como a Bíblia: cada um apanha ali o que quiser, e tudo o que se apanha está contido no livro de Euclydes da Cunha.
Ali estão o místico retrógrado de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", mas também o matador Antônio das Mortes. Ali estão os retirantes de "Vidas Secas", as armas opressoras de "Os Fuzis" ou ainda o misticismo e a violência de Augusto Matraga. Também é possível tirar dele um ataque razoavelmente ralo aos militares, como o de "Guerra dos Canudos" -longas participantes da mostra que a Sala Cinemateca exibe até o dia 30 (veja quadro ao lado).
Do mais simples ao mais complexo, do original ao rastaquera, do mitológico ao realista, como motivo ou consequência, nosso Nordeste cinematográfico como que se ordena em torno da epopéia de Canudos.
Esse Nordeste não é apenas um cenário. Ele é para o cinema novo o mesmo que Volta Grande para Humberto Mauro, ou o Rio para a chanchada: é o cenário que contém do Brasil riqueza e miséria, fé e violência, fome e armas, perseverança, adversidade, heroísmo, seca, delírio, humanidade, crueldade.
Os santos e os perversos, as vítimas e os algozes lá parecem ser em geral mais ou menos a mesma pessoa, que se desdobra. Em todo caso, de um modo geral, o destino é igualmente inóspito. Para o cinema novo, parece que era necessário compreender aquilo para compreender o Brasil.
Daí tantos filmes de ficção a partir de "O Cangaceiro", de Lima Barreto, terem como quadro o Nordeste e o sertão. Não convém esquecer os documentários produzidos por Thomas Farkas nos anos 60, em que o nordestino comum, seus usos, costumes e destino foram detalhados quase à exaustão.
O essencial dessa saga é que, ao contrário do faroeste, não se trata de uma épica da vitória ou da conquista territorial. A epopéia do sertão cinematográfico, assim como a de "Os Sertões", é do conhecimento e sua dificuldade.
O esmagamento de Canudos não é obra do militarismo, mas de uma crença na ciência e no progresso que fez dos sertanejos de Antonio Conselheiro o outro absoluto. A vitória final não trouxe, portanto, uma vitória. Trouxe "Os Sertões", ou seja, a necessidade de compreender isso.
A ligação do cinema novo -sobretudo em meados dos anos 60- ao sertão não é coisa de folclore, não é Brasil para francês ver nem exercício de comiseração, mas uma espécie de prolongamento do desafio lançado por Euclydes da Cunha.



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