São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOSTRA DE DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA

Trabalho e ousadia marcam a terceira semana do ciclo teatral

SILVIA FERNANDES
ESPECIAL PARA A FOLHA

No terceiro ciclo de apresentações, o Núcleo Teatro Promíscuo prova que é possível, com trabalho e ousadia, mostrar a cara da dramaturgia contemporânea. Nesta semana menos sedutora. Mas com representantes radicais como Dionisio Neto, autor de "O Dia Mais Feliz da Sua Vida".
Comparado ao francês Bernard-Marie Koltès pela criação de "peças-paisagens" urbanas, ao americano Sam Shepard pelos monólogos inflados de influência musical, aos ingleses Sarah Kane e Mark Havenhill pelas perversidades temáticas de todos os gêneros, Dionisio se alia aos brasileiros Fernando Bonassi e Pedro Vicente no impulso de expor a violência de modo casual e na estrutura dramática que incorpora recursos de cena e atuação, resultado da prática eclética de dramaturgo, ator e diretor em "Perpétua" e "Opus Profundum".
No texto da mostra, compõe uma dramaturgia de DJ em que proliferam as vozes heterogêneas do taxista Teófilo (Borghi), da promotora de eventos Virgínia (Duboc) e do tatuador Escárpia (Nogueira), figuras-clichês incompletas do ponto de vista dramático, mas abertas à performance e ao humor negro característico dessa geração de dramaturgos.
Na estrutura instável de seu móbile dramático, nem sempre Dionisio acerta as variações de registro entre palco e rua, ao cruzar a teatralidade ensandecida de Escárpia e Virgínia, em figurino de pasta de dentes, e o realismo do taxista vencedor de um bolão da Copa do Mundo numa trama do acaso, que dissemina os motivos da tatuagem e do escorpião.
Híbrido, assombrado por um veneno literal e figurado, o espetáculo "O Dia Mais Feliz da Sua Vida" não se resolve na direção de Márcia Abujamra, que desperdiça o mistério da caixa de surpresas e a proliferação de escorpiões, próxima de certas passagens de Ionesco e Kafka. Em contrapartida, acerta na direção dos atores. Débora Duboc atua com perfeição os monólogos visuais, e Élcio Nogueira Seixas introduz um ruído de nonsense na composição exata de Renato Borghi.
O medo oculto nesse texto se expõe em "Blitz", de Bosco Brasil, mais próximo da dramaturgia irada dos "angry young men" ingleses Edward Bond, Harold Pinter e John Osborne. Aqui a guerra civil urbana é vista pelo ângulo do cabo Rosinha, acusado do assassinato de um aluno numa blitz de periferia.
A narrativa da invasão e dos cadáveres que sobressaltam o policial e a mulher é o recurso que o dramaturgo usa melhor, articulando o fracasso existencial à agressão pública, como acontecia em "Atos e Omissões". Ariela Goldman encontra equivalente exato para o texto ao compor um estado de sítio cênico, que ameaça o cotidiano do casal. Mas não impõe ritmo aos diálogos, girando em falso, coisa que Seixas e Luah Guimaraez não contornam.
Completando as três peças curtas, "Errado", de Alberto Guzik, introduz a temática gay na diversidade da mostra. O dramaturgo cria um texto sem riscos, em que as personagens coerentes resultam de um recorte fiel da realidade do professor universitário de carreira que se envolve com o jovem de periferia.
A direção de Sérgio Ferrara dinamiza a peça, ao sugerir situações que os bons atores sabem aproveitar, enriquecendo visualmente os diálogos. Mas não consegue evitar, especialmente na personagem do cunhado, o tom didático do "raisonné" contemporâneo, que o talentoso Seixas não consegue abafar.
Silvia Fernandes é professora de história do teatro da ECA-USP


Mostra de Dramaturgia Contemporânea
  
Quando: hoje, às 19h
Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 3284-3639)
Quanto: entrada franca



Texto Anterior: Estréia: Teatro Móvel leva peça à periferia de SP
Próximo Texto: Giro gourmet: Do forno para a mesa
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.