|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Experimentação formal era o que mais incomodava
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A mostra "O Cinema Brasileiro Encarcerado",
além de ser uma boa oportunidade para ver títulos importantes há muito fora de circulação,
ajuda a conhecer um pouco da
mentalidade que regia a censura. Mais precisamente, a saber
o que é que mais incomodava
as autoridades militares.
E praticamente tudo as incomodava. Por exemplo, a denúncia do outro lado da ideologia do "Brasil grande", em "Iracema, uma Transa Amazônica", singular misto de documentário e ficção em que o ator
Paulo César Pereio passa por
caminhoneiro junto às populações pobres às margens da
Transamazônica.
A mesma denúncia de um
país cruel oculto pelo discurso
ufanista aparece em "O País de
São Saruê", de Wladimir Carvalho, baseado em depoimentos de sertanejos, latifundiários
e políticos do Nordeste.
O que há de mais interessante
são os filmes que, grosso modo,
configuram uma perspectiva
de transgressão libertária, na
onda da contracultura do final
dos anos 60, e que cutucaram
com vara curta o conservadorismo moral reinante.
Há, nessa direção, três obras
bem distintas, rodadas em 69.
"Macunaíma", exemplo máximo do tropicalismo nas telas, é
atualização do romance de Mário de Andrade para o contexto
da guerrilha urbana e da explosão da sociedade de consumo
no Brasil. Foi o máximo a que o
cinema novo chegou de aproximação com o público sem
abrir mão da inquietação estética e da pegada crítica.
Já a comédia "Meteorango
Kid, Herói Intergaláctico", rodada pelo então estreante André Luiz de Oliveira, é um marco da contracultura, tanto pelo
tema -os impulsos parricidas
e anárquicos de um adolescente- como pela forma: uma
narrativa livre e improvisada
em que comparecem, canibalizados, inúmeros elementos da
indústria cultural. Por último,
mas não menos importante, "O
Despertar da Besta", de José
Mojica Marins, em que o personagem Zé do Caixão é envolvido numa polêmica sobre os
pretensos efeitos do LSD para a
liberação de uma personalidade oculta no indivíduo.
É dos filmes mais experimentais e ousados de Mojica, que
lançava mão pela primeira vez
da narrativa descontínua e da
metalinguagem. Encontro perfeito entre o popular e o pop.
Texto Anterior: Cinema: Filmes nacionais censurados saem do cárcere Próximo Texto: Eletrônica: Trio mistura imagens e correntes da arte Índice
|