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São Paulo, terça-feira, 20 de maio de 2003

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ANÁLISE

Experimentação formal era o que mais incomodava

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A mostra "O Cinema Brasileiro Encarcerado", além de ser uma boa oportunidade para ver títulos importantes há muito fora de circulação, ajuda a conhecer um pouco da mentalidade que regia a censura. Mais precisamente, a saber o que é que mais incomodava as autoridades militares.
E praticamente tudo as incomodava. Por exemplo, a denúncia do outro lado da ideologia do "Brasil grande", em "Iracema, uma Transa Amazônica", singular misto de documentário e ficção em que o ator Paulo César Pereio passa por caminhoneiro junto às populações pobres às margens da Transamazônica.
A mesma denúncia de um país cruel oculto pelo discurso ufanista aparece em "O País de São Saruê", de Wladimir Carvalho, baseado em depoimentos de sertanejos, latifundiários e políticos do Nordeste.
O que há de mais interessante são os filmes que, grosso modo, configuram uma perspectiva de transgressão libertária, na onda da contracultura do final dos anos 60, e que cutucaram com vara curta o conservadorismo moral reinante.
Há, nessa direção, três obras bem distintas, rodadas em 69. "Macunaíma", exemplo máximo do tropicalismo nas telas, é atualização do romance de Mário de Andrade para o contexto da guerrilha urbana e da explosão da sociedade de consumo no Brasil. Foi o máximo a que o cinema novo chegou de aproximação com o público sem abrir mão da inquietação estética e da pegada crítica.
Já a comédia "Meteorango Kid, Herói Intergaláctico", rodada pelo então estreante André Luiz de Oliveira, é um marco da contracultura, tanto pelo tema -os impulsos parricidas e anárquicos de um adolescente- como pela forma: uma narrativa livre e improvisada em que comparecem, canibalizados, inúmeros elementos da indústria cultural. Por último, mas não menos importante, "O Despertar da Besta", de José Mojica Marins, em que o personagem Zé do Caixão é envolvido numa polêmica sobre os pretensos efeitos do LSD para a liberação de uma personalidade oculta no indivíduo.
É dos filmes mais experimentais e ousados de Mojica, que lançava mão pela primeira vez da narrativa descontínua e da metalinguagem. Encontro perfeito entre o popular e o pop.


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