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Temporada teatral investiga distúrbios da mente
Domingo INSANO
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A natureza ritual do teatro faz
dessa arte um terreno propício
para interpretações sobre desequilíbrios mentais, como se nota
em quatro peças em cartaz na
atual temporada.
E tal encontro às vezes transborda para fora do palco. Foi o que
aconteceu no início do mês,
quando um grupo de usuários do
Centro de Convivência Artística
(CCA) da Casa de Saúde Dr. Cândido Ferreira, de Campinas, assistiu ao espetáculo "Bispo", em cartaz no galpão 1 do Sesc Belenzinho (zona leste).
Trata-se de um monólogo sobre
Arthur Bispo do Rosário, lutador
de boxe sergipano, depois interno
de hospital psiquiátrico carioca
durante 50 anos, até morrer, em
1989, quando já era reconhecido
como artista plástico singular pela
recriação mítica de seu mundo
(mantos e estandartes bordados
para simbolizar a "passagem").
O ator Marcelo Pinta, coordenador de artes cênicas do CCA, temia que os usuários se dispersassem durante a apresentação por
causa do tom intimista da peça e,
sobretudo, pelo foco em uma
época em que o tratamento corrente nos manicômios era à base
de eletrochoque.
"Todos assistiram até o fim e
saíram tocados pela experiência
do Bispo. Mesmo os usuários
mais velhos, que passaram pelo
eletrochoque, não reagiram de
forma esquiva", diz Pinta, 35.
O CCA surgiu em 1991, mas só
foi consolidado quatro anos depois. A partir das aulas de iniciação teatral, Pinta criou em 2000 a
cia. SorriDante, alusão ao autor de
"A Divina Comédia", o italiano
Dante Alighieri. Já montou dois
espetáculos.
Em outro galpão do Belenzinho,
o de exposições, acompanha-se o
"processo de enlouquecimento
de um homem", como diz a diretora Cibele Forjaz, de "Woyzeck,
o Brasileiro", peça inconclusa do
alemão Georg Büchner, com dramaturgia de Fernando Bonassi.
Matheus Nachtergaele contracena com grande elenco (incluindo o núcleo do grupo paraibano
Piolin, de "Vau da Sarapalha") e
mergulha na lama para interpretar o operário de uma olaria.
O sujeito é explorado pelo patrão e usado como cobaia pelas
autoridades, mas só perde as estribeiras de vez quando o ciúme
lhe corrói por dentro tal qual o
Otelo de Shakespeare.
Em "Hysteria", os estados de alteração aparecem sob o ponto de
vista do universo feminino. No
século 19, cinco mulheres estão
internadas num hospício e recompõem fragmentos de suas vidas segundo os traumas de origem e os provocados pelos procedimentos institucionais.
Luiz Fernando Marques dirige o
espetáculo, que fica até o final do
mês, em temporada gratuita no
sítio Morrinhos, no Jardim São
Bento (zona norte).
O drama e a comédia têm óticas
distintas sobre a mente. O título
"De Doido e Louco... Todo Mundo Tem um Pouco", por exemplo,
apropria-se do bordão para mostrar como dois faxineiros assumem a programação de uma rádio e põem a emissora literalmente de pernas para o ar. Concepção
e interpretação do espetáculo são
de Joel Barboza e Nilson Barboza,
sob direção de Dirceu Capuchiqui. A peça está em cartaz no TBC
(Bela Vista).
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