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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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Temporada teatral investiga distúrbios da mente

Domingo INSANO

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A natureza ritual do teatro faz dessa arte um terreno propício para interpretações sobre desequilíbrios mentais, como se nota em quatro peças em cartaz na atual temporada.
E tal encontro às vezes transborda para fora do palco. Foi o que aconteceu no início do mês, quando um grupo de usuários do Centro de Convivência Artística (CCA) da Casa de Saúde Dr. Cândido Ferreira, de Campinas, assistiu ao espetáculo "Bispo", em cartaz no galpão 1 do Sesc Belenzinho (zona leste).
Trata-se de um monólogo sobre Arthur Bispo do Rosário, lutador de boxe sergipano, depois interno de hospital psiquiátrico carioca durante 50 anos, até morrer, em 1989, quando já era reconhecido como artista plástico singular pela recriação mítica de seu mundo (mantos e estandartes bordados para simbolizar a "passagem").
O ator Marcelo Pinta, coordenador de artes cênicas do CCA, temia que os usuários se dispersassem durante a apresentação por causa do tom intimista da peça e, sobretudo, pelo foco em uma época em que o tratamento corrente nos manicômios era à base de eletrochoque.
"Todos assistiram até o fim e saíram tocados pela experiência do Bispo. Mesmo os usuários mais velhos, que passaram pelo eletrochoque, não reagiram de forma esquiva", diz Pinta, 35.
O CCA surgiu em 1991, mas só foi consolidado quatro anos depois. A partir das aulas de iniciação teatral, Pinta criou em 2000 a cia. SorriDante, alusão ao autor de "A Divina Comédia", o italiano Dante Alighieri. Já montou dois espetáculos.
Em outro galpão do Belenzinho, o de exposições, acompanha-se o "processo de enlouquecimento de um homem", como diz a diretora Cibele Forjaz, de "Woyzeck, o Brasileiro", peça inconclusa do alemão Georg Büchner, com dramaturgia de Fernando Bonassi.
Matheus Nachtergaele contracena com grande elenco (incluindo o núcleo do grupo paraibano Piolin, de "Vau da Sarapalha") e mergulha na lama para interpretar o operário de uma olaria.
O sujeito é explorado pelo patrão e usado como cobaia pelas autoridades, mas só perde as estribeiras de vez quando o ciúme lhe corrói por dentro tal qual o Otelo de Shakespeare.
Em "Hysteria", os estados de alteração aparecem sob o ponto de vista do universo feminino. No século 19, cinco mulheres estão internadas num hospício e recompõem fragmentos de suas vidas segundo os traumas de origem e os provocados pelos procedimentos institucionais.
Luiz Fernando Marques dirige o espetáculo, que fica até o final do mês, em temporada gratuita no sítio Morrinhos, no Jardim São Bento (zona norte).
O drama e a comédia têm óticas distintas sobre a mente. O título "De Doido e Louco... Todo Mundo Tem um Pouco", por exemplo, apropria-se do bordão para mostrar como dois faxineiros assumem a programação de uma rádio e põem a emissora literalmente de pernas para o ar. Concepção e interpretação do espetáculo são de Joel Barboza e Nilson Barboza, sob direção de Dirceu Capuchiqui. A peça está em cartaz no TBC (Bela Vista).



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