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CINEMA
MAM inicia ciclo de filmes do cineasta espanhol a partir de hoje com "Mulheres..." e "Carne Trêmula"
Cor vulgar de Almodóvar está no MAM
CRISTIAN AVELLO CANCINO
free-lance para a Folha
Pedro Almodóvar é sempre lascivo, polifônico, exuberante. Ele
enquadra o círculo das relações
humanas em recintos cor-de-rosa
e, assim, se torna observador de
sentimentos e conflitos levados ao
paroxismo por personagens sempre cafonas, irrequietas, narigudas, às voltas com seus próprios
afetos.
Mais uma vez teremos acesso ao
mundo vulgar e sincero de Almodóvar. É a partir de hoje, às 16h,
quando o Museu de Arte Moderna (MAM) inicia um ciclo de filmes homenageando o diretor espanhol que imaginou mulheres
armadas vestidas de Jackie Onassis ("Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos"), donas-de-casa
assassinas ("Que Fiz Eu Para Merecer Isso?") e freiras viciadas em
heroína ("Maus Hábitos").
É, ele foi subversivo, mexeu
com os brios da Igreja nos anos
80. Hoje, porém, Almodóvar
mostra-se mais conformado, sua
cafonice desbotou e deu lugar a
cores mais amenas, personagens
angustiados e contidos. Exemplo
disso é "Carne Trêmula", seu penúltimo filme, formalmente o
mais apurado deles.
Para quem não assistiu esse filme no ano passado, quando esteve em cartaz na cidade, vale a pena dar um tempinho na Mostra
Internacional de Cinema para vê-lo hoje. Não é o melhor Almodóvar, como se disse, mas traz seu
gênio depurado.
"Carne Trêmula" tem início
com um parto almodovariano até
o osso. Mostra uma mulher dando à luz dentro de um ônibus que
trafega por uma Madrid sitiada,
convulsa em meio a problemas
políticos. Nascia ali, em plena via
pública, um sujeito que anos mais
tarde se tornaria um jovem entregador de pizzas apaixonado por
uma mulher mais velha. Certa feita, o jovem entra sorrateiramente,
às escondidas, na casa da mulher
e, durante uma discussão, acaba
atirando sem intenção num policial que fica paralítico.
No início, por conta da caracterização de Madrid, temos a impressão de que o filme será o libelo político do cineasta para uma
geração conformista e desagregada. Vemos, contudo, um final que
faz coro com a crença dessa suposta platéia: "Na Espanha, agora
ninguém tem medo", diz o narrador, dando a impressão de que algo mudou no diretor iconoclasta
de "A Lei do Desejo".
De qualquer forma, pior seria se
falássemos aqui de "A Flor de
Meu Segredo", provavelmente o
mais fraco dos filmes que estão
nesta mostra (são nove no total).
Agora, que fique bem entendido. O pior de Almodóvar é melhor que a maioria dos filmes que
a indústria cultural tem tratado de
nos empurrar goela abaixo nestes
últimos anos. Almodóvar desce
macio ou cai pesado, nunca fica
entalado. Os "pesados" aqui são
"Ata-me", "Matador" e "A Lei do
Desejo", sobretudo este último,
que versa francamente sobre homossexualismo e repressão.
Na linha "light" poderíamos enquadrar o tragicômico "Maus Hábitos", que se passa num convento em que freiras cantam boleros
e injetam muita droga. As "redentoras humilhadas" também tomam LSD. Uma delas vê o mundo
como em sonhos. Almodóvar
aproveita para mostrar aos espectadores o ponto de vista da freira
viciada, inundando a tela com cores lisérgicas e divertindo com essa solução cinematográfica para
mostrar a "viagem" da freira.
É a mesma "viagem" do diretor.
Ele sempre quis imprimir seus filmes das melhores cores que os
anos de "subversão" e de respostas a todo tipo de preconceito deixaram nele. É quase uma ironia
que este pintor desbocado das bizarrices humanas ganhe um ciclo
no Museu de Arte Moderna.
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