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ARTES
Exposição retrata expedição nos Campos de Guarapuava que resultou em contato entre índios e brancos no século 18
Desenhos ilustram "choque" colonial
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma valiosa peça de propaganda política colonial está hoje sendo divulgada para um público
mais amplo: uma exposição em
São Paulo revela raríssimas imagens do contato entre brancos e
índios no interior do Brasil no final do século 18.
Uma expedição militar luso-brasileira topa com índios Kaingang nos Campos de Guarapuava, então parte da capitania de
São Paulo, atual Paraná. O contato é inicialmente amistoso. Depois os brancos sofrem uma emboscada dos índios, perdem alguns mortos e se retiram.
O episódio foi retratado em
pranchas coloridas, uma espécie
de "história em quadrinhos" setecentista. São 38, com desenhos à
base de guache e aquarela, atribuídos a Joaquim José de Miranda. As pranchas ilustram a expedição do tenente-coronel português Afonso Botelho de Sampaio
e Souza, em 1771, a décima de 11
"bandeiras" enviadas aos campos
habitados pelos Kaingang.
A coleção retrata o desejo da autoridade colonial de mostrar à
corte que estava afinada com o
projeto político do marquês de
Pombal, o poderoso ministro do
rei Dom José 1º. Sebastião José de
Carvalho e Melo, conde de Oeiras
e marquês de Pombal (1699-1782), queria reforçar a defesa da
América portuguesa face aos vizinhos espanhóis. Para ele os índios
eram aliados naturais que deveriam ser preservados.
Ao enviar a coleção para Portugal, os governantes da capitania
"procuraram defender seu projeto de conquista dos campos de
Guarapuava, transmitindo à Corte imagens de um tratamento humano, simpático e afetuoso dos
indígenas, levando rigorosamente ao pé da letra todas as prescrições da política indigenista de
Pombal", escreve no catálogo da
exposição o historiador Nicolau
Sevcenko, professor da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
A própria emboscada, na qual
só morreram brancos, teria um
bom efeito de propaganda -
"oferecendo portanto a oportunidade de representar os militares
como as vítimas", segundo Sevcenko. Curiosamente, falta uma
prancha na coleção: a de número
39, que mostra o enterro dos soldados mortos.
O comandante da expedição,
Afonso Botelho de Sampaio e
Souza (1728-93), era primo do governador da capitania de São Paulo, dom Luis Antonio de Souza
Botelho Mourão, segundo o colecionador e especialista no período, João Moreira Garcez Filho.
Com apoio do primo, Afonso
Botelho recebeu diversos postos e
missões, como a construção de
um forte em Paranaguá, criação
de vilas e as expedições aos "sertões de Guarapuava".
O conjunto pertence à Coleção
Beatriz e Mário Pimenta Camargo. As pranchas foram adquiridas
pelo casal de colecionadores paulistas em um inusitado leilão por
telefone em 1985. "Ficamos perplexos e encantados", diz Beatriz.
O leilão aconteceu meses depois,
quando o casal estava em São
Paulo. "Felizmente não foi muito
disputado", diz ela. A coleção estava com os descendentes de
Pombal.
"A constituição da obra é bastante heterogênea e compreende
vários procedimentos. Tal modalidade de narrativa visual lembra
o sermão ilustrado, de pensamento moralizante, de tradição religiosa", afirmam em texto no catálogo Ana Maria de Moraes Belluzzo, da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP, e Valéria Piccoli, pesquisadora de arte.
"Embora o desenho seja registrado como de autoria de José
Joaquim de Miranda, seu vigoroso colorido, em tinta à base de
água, apresenta diferenças de tratamento e acabamento, procedentes de várias mãos", dizem as
duas pesquisadoras.
As imagens "possibilitam leituras diversas: nelas
se destaca o fascínio que as mercadorias dos brancos exerceram sobre os Kaingang
habitantes daquela região, o interesse dos índios
pelas vestimentas,
armamentos e técnicas (de caça, especialmente) dos
europeus, ao mesmo tempo em que
introduzem o tema da guerra dos
índios contra os
estrangeiros", escreve Marta Rosa
Amoroso, do Departamento de
Antropologia da
FFLCH/USP.
Apesar de servir
como um catálogo
da exposição, o livro não será vendido. Da tiragem de 4.000 exemplares, mil serão distribuídos a bibliotecas e centros culturais; o restante pertence à Fundação BNP
Paribas e ao Banco BNP Paribas
Brasil.
DO CONTATO AO CONFRONTO: A
CONQUISTA DE GUARAPUAVA NO
SÉCULO 18. Onde: Fundação Maria
Luisa e Oscar Americano (av. Morumbi,
4.077, SP, tel. 0/xx/11/3742-0077).
Quando: de ter. a sex., das 11h às 17h;
sáb. e dom., das 10h às 17h; até 14/12.
Quanto: R$ 8. Livro: edição bilíngue
(português e francês), com reprodução
das 38 pranchas em exposição e textos
de Nicolau Sevcenko, João Moreira
Garcez Filho, Marta Rosa Amoroso, Ana
Maria de Moraes Belluzzo e Valéria
Piccoli. Não disponível para venda.
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