São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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CRÍTICA

Chahine mostra produção de natureza industrial e clássica

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Youssef Chahine é, de todos os cineastas da Mostra, provavelmente aquele destinado a ser o menos compreendido. Isso porque seu cinema está nos antípodas daquilo que esse público esclarecido conhece e espera.
É preciso lembrar que o cinema nasceu popular, e não letrado; plebeu, e não intelectual. E que Chahine é um senhor de quase 80 anos que participa ativamente da indústria cinematográfica egípcia. O que pode causar estranhamento em seus filmes é, portanto, a natureza industrial, plenamente clássica, como a encontrada em "Alexandria... Nova York".
Para contar a história, Yehia, cineasta egípcio que, ao ser enfim reconhecido na América com uma retrospectiva, também descobre ter um filho cuja mãe, Ginger, ele amou intensamente no tempo em que estudava direção de teatro nos EUA. O filho, Alexander, é um famoso bailarino e se tem na conta de americano cem por cento, de maneira que essa história de se descobrir filho de um egípcio não o encanta.
Um flashback nos colocará então em contato com a história de Ginger e Yehia quando jovens estudantes de arte, seu encontro, o amor, a despedida. Essa parte se passa no fim dos anos 40 e é bem diferente da outra, atual.
No flashback, não existem tensões nas relações entre Yehia e os EUA. Já na fase atual elas estão por toda parte: a recusa do filho em reconhecê-lo é aquela em torno da qual gira o filme. Claro: hoje ele vê os EUA como o império que oprime o mundo árabe de maneira quase escandalosa. A relação é, portanto, a de um amor profundo empanado pelo ressentimento. Um amor não correspondido. É mais ou menos claro que esses sentimentos mistos que o velho Yehia experimenta são em grande parte os do mundo árabe.
A dificuldade do espectador talvez consista em conciliar esse tipo de idéias com um cinema que não evita o narrativismo mais clássico, não foge do melodrama. Nessa adesão a uma retórica cinematográfica dos anos 50 existe uma tradição cinematográfica (egípcia). Mas não é ela que interessa tanto.
Ela nos remete a um momento em que o cinema americano representava a modernidade e iluminava o mundo (não só o árabe) com ela. É como se Chahine buscasse, também, preservar esse momento, de modo a reencontrar uma América digna de ser imitada e não de ser combatida.


Alexandria... Nova York
Alexandrie... New York

    
Direção: Youssef Chahine
Produção: Egito/França, 2004
Quando: hoje, às 20h30, no MIS (outras sessões amanhã e dias 30 e 1º)



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