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São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2003

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"ISAURINHA GARCIA, PERSONALÍSSIMA"

Peça prefigura o musical brasileiro

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Isaurinha Garcia, Personalíssima" cumpre uma tarefa difícil: ser um dos precursores do musical brasileiro, gênero que vem se estabelecendo nos últimos anos, fruto híbrido do musical da Broadway e do teatro de revista.
Sem os recursos técnicos e materiais do "show business" americano, que tem recebido investimentos maciços por ocasião de sua instauração no Brasil -enquanto o equivalente nacional é divulgado como "grandioso" só por poder contar com música ao vivo-, o musical brasileiro evitaria por outro lado o ufanismo automistificador graças a uma tendência à ironia, a uma elegia à "bagunça" na qual o crítico modernista Alcântara Machado via a base de um teatro nacional.
Esta montagem, assim, se equilibra entre o precário e o luxuoso, entre a exaltação do mito da "primeira rainha do rádio Paulista" - com tudo que o titulo já soa defasado- e a maneira sem-cerimônia com que a própria Isaurinha fazia questão de se apresentar. A "personalíssima" é mostrada falando palavrões com sotaque do Brás, bebendo conhaque, desde o primeiro teste no rádio até a última carta de fã e, sobretudo, misturando desalentos afetivos com suas interpretações.
O texto de Júlio Fischer deixa transparecer uma pesquisa sólida e uma agilidade cinematográfica que, reunindo melodrama e comédia, só deixa escoar a tensão dramática por ocasião dos números musicais. Estes, embora satisfazendo a expectativa de uma reprodução dos antigos shows de Isaurinha, acabam roubando o foco da narrativa para o "cover" bem feito pela fã confessa Rosamaria Murtinho, que já havia encarnado com êxito Chiquinha Gonzaga. Com precisão e simpatia, Murtinho aproveita bem os muitos recursos de seu papel.
Infelizmente, cedendo à precariedade dramatúrgica do teatro de revista, outras personagens são pouco mais que caricaturas vivas, seja por evocações aproximadas de figuras públicas como Cauby Peixoto, seja por clichês de gosto duvidoso como "o amigo homossexual" ou "a assistente comunista".
A diretora Jacqueline Laurence consegue uma boa dinâmica de cenas com elementos cenográficos polivalentes -que reproduzem o glamour da época, o que não é garantia de bom gosto- mas ao "grande elenco" só resta confiar no carisma pessoal e na voz. Nesta estreita margem de manobra, Alexandre Moreno, como Vassourinha, se destaca.
A montagem cai na exaltação aberta em dois momentos: na "apoteose" do primeiro ato, que evoca com eficácia o mito Isaurinha, e na participação especial do produtor-idealizador Rick Garcia, fazendo seu próprio papel de neto, em participação compreensível, mas que poderia ser evitada.
Em todo caso, assinalando em sua atual temporada no Cultura Artística um maior investimento no musical brasileiro, "Isaurinha Garcia...", sem blefes e evitando quando possível o mau gosto, é um começo prudente para um gênero a ser acompanhado.


Isaurinha Garcia, Personalíssima  
Texto: Julio Fischer
Direção: Jacqueline Laurence
Com: Rosamaria Murtinho, Taís Araújo
Onde: Teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 3258-3616)
Quando: de qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h; até 29/6
Quanto: de R$ 25 a R$ 60
Patrocinadores: Sofisa, CCE, Volkswagen, Rio Sul



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