São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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NO PLANALTO

Conheça a história do brasileiro "*************"

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Calma , não se espante. "*************" é brasileiro como você. Ou, por outra, era brasileiro. Já morreu, o pobre. Seu nome, grafado assim, com 13 asteriscos, encontra-se assentado em cadastro eletrônico da Previdência Social. Uma base de dados em cujas profundezas são lançados os patrícios que, tendo descido à cova, já não fazem jus ao recebimento de pensões e aposentadorias.
Estava "*************" posto em sossego, em meio à tranqüilidade dos esqueletos, quando foi descoberto por auditores do TCU. Gente malévola, disposta a questionar a reputação do senhor asterisco.
Em relatório aprovado no dia 10 de dezembro de 2003, os inspetores do Tribunal de Contas levantam, veja você, a suspeita de que, em vez de morto, "*************" seja um brasileiro vivo. Muito vivo. Vivíssimo.
Trata-se, suspeitam os auditores, de algum espertalhão. Alguém que, aproveitando-se da morte de um Zé Ninguém, rebatizou o cadáver com sinais gráficos em forma de estrela apenas para continuar beliscando a aposentadoria que ele recebia em vida.
A sordidez dos peritos do TCU não tem limites. Desentranharam dos arquivos da Previdência um outro brasileiro morto. Chama-se "02092001". De novo, avaliam os técnicos do TCU, trata-se de um Zé das Couves. Ocultado sob números, legou a aposentadoria a outro aproveitador velhaco.
Há ainda no arquivo dos mortos da Previdência um lote de patriotas incompreendidos. Têm nomes comuns. Mas suas fichas trazem, no campo reservado à anotação da data da morte, uma evidência de que estão adiante do seu tempo.
Um deles "morreu" em 2019. O outro, em 9800. Um terceiro foi desta para melhor no ano da graça de 9900. Decerto são brasileiros sintonizados com a política de arrocho fiscal do ministro Antonio Palocci. Tinham uma vida pela frente. Mas morreram antecipadamente apenas para propiciar ao governo petista a economia de algumas aposentadorias.
Os auditores, tomados de desconfiança desmedida, resolveram diminuir-lhes o gesto. Levantam a blasfêmia de que as datas futuras inscritas nas fichas visam embaralhar o sistema de checagens da Previdência. Só para propiciar a cidadãos astutos o recebimento de pensões indevidas.
Alheios ao sentimento religioso, os inspetores entenderam de implicar também com as pensões que, cassadas em função do óbito de seus titulares, foram depois "reativadas" pela Previdência. Ora, se Jesus ressuscitou ao terceiro dia, por que não podem voltar à vida os pobres pensionistas, também eles filhos de Deus? O pessoal do TCU deveria vasculhar os computadores de Brasília com uma Bíblia nas mãos.
Não é só o fichário dos mortos que açula a má vontade dos inspetores. Implicam também com o cadastro dos aposentados ativos. Ali, enxergam desonestidade em tudo. Até nas requisições de auxílio-natalidade de uma ou outra senhora que, entrada em anos, decidiu conhecer as maravilhas da maternidade.
É certo que as mulheres mencionadas no relatório de auditoria contam mais de 60 anos. Mas o ceticismo exacerbado dos auditores desconsidera os avanços da medicina moderna. De mais a mais, como diria o novo ministro Patrus Ananias, o Brasil é um país por povoar. Ainda há espaço para levas de nascituros. Nada mais justo que a Previdência pague às anciãs o que lhes é devido.
Nem mesmo a criatividade de alguns aposentados escapou à sanha dos auditores. Condenaram a presença na folha da Previdência de pessoas identificadas por números de CPF em desacordo com o modelo ditado pela Receita Federal. Há, por exemplo, 67.117 aposentados com um mesmo CPF: 99999999999.
É de se perguntar: se o camarada José Dirceu, tomado de ímpetos revolucionários, conspirou para acomodar o companheiro Amir Lando na cadeira de ministro da Previdência, por que deveriam os aposentados se sujeitar às regras estritas da Receita? Viva a diferença. Salve a desobediência civil.
Tudo indica que os inspetores do TCU ainda não se deram conta de que o Brasil mudou. Estamos sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Não há mais espaço para as velhas fraudes que costumavam assolar a administração pública. Francamente, senhores.



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