São Paulo, terça-feira, 01 de fevereiro de 2005

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JANIO DE FREITAS

Contra os cidadãos

Uma insignificância -é o que parece ser a exigência, decidida na Presidência da República, de que pesquisas do IBGE sejam entregues ao Planalto, por intermédio do Ministério do Planejamento, pelo menos 48 horas antes de serem distribuídas à imprensa.
Dois componentes negam a insignificância da decisão. O menos grave é o montante de ignorância que a constituiu. Pesquisas do IBGE e outros estudos e documentos não chegam às redações com antecedência, muitas vezes de dias, por privilégio dos jornalistas, mas por necessidade. Muito desse material é volumoso, com freqüência é complexo, exige tempo para ser desvendado e chegar à forma jornalística que o fará compreensível para a sociedade. Muito desse material inclui a advertência "liberado para divulgação no dia tal", ou algo assim, não sendo raro que determine até a hora. Como norma, os meios de comunicação respeitam os limites fixados pela fonte do material.
A explicação do governo para sua decisão contém fenômenos de raciocínio. Por exemplo: "A imprensa deve ter acesso aos dados no mesmo momento que o restante da sociedade". Mas o que dá à sociedade o acesso aos dados é a imprensa, logo, não há como chegarem dados à sociedade se a imprensa não os tiver antes. Será tão difícil ter essa percepção antes de dizer obtusidades?
O outro componente da decisão é o seu sentido implícito. O exame antecipado de material que, em princípio, se destinaria ao conveniente conhecimento público, não pode ter outro propósito senão o de agir para influenciar nessa possibilidade de conhecimento público. Seja manipulando-a para desviar as atenções de certos aspectos e sobrevalorizar outros, seja limitando-a por deformações ou cortes, seja impedindo-a.
Pouco importa qual dos propósitos tenha predominado na decisão do governo: todos procedem, e exprimem, da mesma vocação de autoritarismo. A vocação que fez a expulsão de petistas discordantes de um ato governamental contrário ao sempre repudiado por Lula e pelo PT. A da engolida expulsão do correspondente de trapalhadas Larry Rohter. A do Conselho Federal de Jornalismo. A da atual ameaça ao deputado Virgílio Guimarães, que ousa responder a uma trapaça com sua candidatura avulsa à presidência da Câmara. A de quem se julga com direito de adotar a política econômica repudiada pelos que o elegeram. A lista pode vir do começo do governo e ir longe.
Não é necessário. Para concluir, basta citar a coerência entre a nova decisão do governo contra a liberdade de informação e duas precedentes obras, pela internet, da mesma área de Comunicação da Presidência: a invenção de um discurso atribuído a um ministro e a censura a trechos de um discurso do próprio Lula.
Não é uma insignificância a decisão sobre IBGE e imprensa. É de censura mesmo que se trata. E não pense, leitor, que censura é contra a imprensa. Censura é contra os cidadãos, contra a sociedade.


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