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DOMINGUEIRA
Nos tempos do colchão no chão
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
O sociólogo Gilberto Felisberto
Vasconcellos, autor, entre outros,
do polêmico e "O Príncipe da
Moeda", prepara um novo livro.
Conta-me ao telefone que entre
outros temas irá comentar o processo de passagem da eletrola,
que ficava na sala, para o aparelho de som, que foi para o quarto
de dormir. Puxa-me a memória
para alguns ambientes dos filmes
de Godard: o colchão no chão e o
som ali no canto.
É a imagem da casa jovem de
uma época, que foi apagada pelos
neons da década de 80. O estilo,
digamos assim, decorativo, era
inspirado no "aparelho", aquele
apartamento de subversivos que
o Dops "estourava": Livros, revistas empilhadas, almofadão, colchão no chão, fogão e a impávida
geladeira, fria e desértica.
A geração 70 conhece bem esse
"world of interiors". E não apenas os filhos mais duros da classe
média. Muitos meninos e meninas de famílias ricas moraram
assim. Era uma opção, uma vontade de independência, um desejo de fugir ao convencional.
Havia naquela época uma
"guerrilha" em curso, não apenas
estritamente política. Combatia-se também no campo dos costumes, sobrevivia a idéia de que
era preciso encontrar formas alternativas de vida etc, etc.
Certamente a ingenuidade
também morava sob o teto do
"aparelho", mas com ela vivia o
inconformismo. Talvez hoje, os
pais, possivelmente mais liberais,
tenham conseguido apaziguar os
ânimos ou enfrentem o mesmo
conflito com sinais trocados -os
filhos é que regulam.
O fato, já demonstrado por pesquisas, é que cada vez mais a
garotada fica em casa. Há quem
diga que é pelas dificuldades do
mercado de trabalho. Pode ser,
mas algo me diz que a acomodação tem um lugar nessa história.
O conforto doméstico transformou-se num valor para os jovens.
A idéia de pegar aquele velho navio foi trocada pelos pacotes para
Miami. O garotão e a Patrícia
preferem ficar na casa do papai
com microondas, vídeo, celular,
ar condicionado, assistindo o
"H" ou o "Programa Livre" e
cantando "Hoje é Sexta-Feira"
nos fins-de-semana.
É de prever um boom de venda
de babadores.
Sobre a mudança do som da sala
para o quarto, posso estar enganado, mas imagino o tema do
ensaísta: o fenômeno que transformou a música pop num intermitente fundo musical da vida
moderna.
Coloca-se música para comer,
para ler, para dormir e -incrivelmente- para conversar. Os
brasileiros, que já falam todos alto e ao mesmo tempo, acrescentaram ao barulho o último CD de
fulano. No meio da gritaria alguém pára e avisa: "Ouve isso
que é muito bom". Pausa de alguns segundos, pequenos comentários e volta a gritaria.
Será que não daria para fazer
um pouco mais de silêncio -já
que melhor do que ele só mesmo
João?
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