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RELAÇÕES PERIGOSAS
Roberto Teixeira diz que errou ao emprestar casa ao petista e conta como os dois se aproximaram
Amigo de Lula defende trabalho da Cpem
CLEUSA TURRA
Secretária-assistente de Redação
MARCIO AITH
da Reportagem Local
Durante quatro horas, o advogado Roberto
Teixeira, 53,
amigo de Lula
(presidente de
honra licenciado do PT), em
entrevista à Folha, se defendeu das
acusações de corrupção por suposta arrecadação ilegal de recursos para o partido.
A denúncia partiu de Paulo de
Tarso Venceslau, ex-secretário de
prefeituras petistas. Ele acusa Teixeira de pressionar prefeituras do
PT a contratar a Cpem (Consultoria de Empresas e Municípios).
Por meio de contratos sem licitação, a empresa repassaria parte de
seu ganho para o PT.
Calmo e bem-humorado, Teixeira rebateu as críticas, contou como
se tornou amigo do líder petista e
admitiu que foi um erro emprestar
sua casa para Lula morar.
Folha - Como e quando o sr. conheceu o Lula?
Roberto Teixeira - Em 81, quando eu e outros advogados de São
Bernardo do Campo ingressamos
no PT. Me filiei em 82. Depois, na
militância, vim a conhecer o Lula.
Folha - Como evoluiu a amizade
até ele passar a morar numa casa
cedida pelo sr.?
Teixeira - Quando ingressei no
PT eu era presidente da OAB (Ordem dos Advogados) de São Bernardo. Na época era muito difícil
uma pessoa com o nível de presidência da OAB entrar no PT.
E como sempre fui um advogado
conhecido, comecei a fazer uma
série de trabalhos jurídicos para o
PT. Exemplo: organização da documentação necessária para o registro dos primeiros candidatos
ainda nas eleições de 82.
E a partir daí, evidentemente, tinha contato com a cúpula do diretório municipal. Estava a todo instante trabalhando no "métier"
(profissão) que eu conheço, e
aprendendo o direito eleitoral.
Folha - De quem foi a idéia de
ceder a casa a ele?
Teixeira - Estamos pulando de
82 para 89. Depois de 82 teve um
período em que a legislação não
permitia apelidos. Como o Lula
era conhecido por esse apelido,
houve necessidade de adicionar ao
nome dele o apelido.
Uma das minhas obrigações foi
essa. A partir daí comecei a me encontrar com o Lula várias vezes.
Nos tornamos amigos. Nos contatos das reuniões petistas, minha
família se tornou amiga da dele, e
surgiu uma amizade, que culminou com a solicitação dele para
que eu apadrinhasse seu filho.
É um fato que me orgulha, mas
que na verdade nos trouxe muitos
problemas. E como no PT o Lula é
uma pessoa idolatrada, isso gerou
uma série de ciúmes.
Folha - Isso porque você virou o
"compadre" do Lula?
Teixeira - O Lula é pernambucano. O nordestino empresta a essa relação familiar um valor enorme. Ele considera o padrinho um
segundo pai. Se algo acontecer a
ele (ao pai), quem tem a incumbência de criar o afilhado é o padrinho. Isso para ele é muito importante. O que dá a impressão
que houve qualquer tipo de interesse -coisa que não houve. O
Lula tem outros três compadres,
metalúrgicos, pessoas modestas, e
infelizmente ninguém quis saber
quem são. O fato é que o Lula teve
um crescimento político muito
grande e culminou com a campanha de 89, da qual todos participamos. Em dado momento, o comando da campanha, a pedido da
direção nacional do PT, solicitou
que fosse encontrado um imóvel
em São Bernardo para o Lula se
mudar.
Folha - Questão de segurança?
Teixeira - Sim. O imóvel onde o
Lula morava era uma esquina.
Tem alguns episódios que são contados, de invasão da casa. Inclusive por jornalistas. Chegaram a pular o muro e entrar dentro da casa.
Como o Lula foi sempre muito
liberal, as pessoas não tinham nenhuma inibição. O Lula tinha o
costume de sentar-se numa cadeira para atender o telefone e ficar de
costas a menos de dois metros da
rua. Se uma pessoa quisesse atentar contra a vida dele era só pegar
um paralelepípedo e jogar pela janela.
E ele teria feito o que muitos queriam -eliminar o Lula. Um tiro
poderia servir a muita gente. Então, me pediram, porque eu era de
São Bernardo, que eu encontrasse
um imóvel.
No início pensamos em dois ou
três imóveis. Até que eu disse o seguinte: "Tenho uma casa que eu
acho que resolve a questão e que
está fechada há mais de dois anos".
Uma casa que eu havia construído nos anos de 70, 71. E havia mudado dois anos antes. Aí vai um
detalhe: o Lula se opôs. Ele entendia que não devia mudar e todos
diziam: "Isso é um absurdo". E a
verdade é que o Lula não se mudou. Nós é que mudamos, o comando da campanha, a família.
Ele viajou para o Ceará e disse:
"Não vou me mudar". Quando
voltou, as coisas todas estavam na
outra casa, e ele já estava mudado.
Foi assim que o Lula foi para lá.
Por responsabilidade do PT. Ele
não pediu. Era contra. Não queria.
Folha - Por que de graça, cedido?
Teixeira - No início pensávamos que seria por um breve período. Iríamos esperar as eleições. E
as coisas se acomodaram depois.
Eu não havia pensado em locação
naquele instante porque a casa estava parada. Eu estava cedendo e
se imaginava, porque a expectativa
era de ganho (das eleições), que seria por um período.
A partir dali, quando tivemos o
resultado negativo, já se sabia que
o Lula seria candidato em 94. E aí
faço uma crítica ao partido porque, quer queira quer não, hoje
constatamos que isso criou um
constrangimento tão grande para
o Lula e muito grande para mim.
E ao longo desse tempo o partido
se calou. Quantos dirigentes fizeram críticas veladas, mas ninguém
pensou em propor ao partido que
solucionasse o problema.
Teria sido muito simples o PT
me procurar para estabelecer uma
locação. Para que a relação se tornasse normal, evitando este constrangimento para o Lula. Poderia
ter sido feito, e não foi feito.
E, de minha parte, eu também
não teria como, até por causa da
minha amizade pessoal, constranger o Lula com uma proposta dessa. Não me move o interesse econômico, imobiliário, da locação.
Mas foi um erro, e esse erro foi
inicialmente criado pelo partido.
O Lula era inocente. E ele teve, ao
longo desses anos todos, de se justificar, fazendo contorcionismos
de linguagem.
Folha - Você não teria abertura
para conversar com o Lula?
Teixeira - Não.
Folha - Não é muita ingenuidade
para um partido...
Teixeira -Também fui omisso.
Confesso que nunca cheguei a
uma consciência bem clara dessa
dificuldade. Porque poderia ter até
instado pessoas a começar a levantar uma questão... Me senti absolutamente decente e honesto nos
meus propósitos tanto quanto o
Lula. Nos parecia que tomar qualquer outra atitude teria sido sucumbir a críticas. As críticas maiores eram internas.
Folha - Hoje, o sr. faz um balanço
de que vocês erraram?
Teixeira - Foi um erro coletivo.
Um erro do partido, um erro meu,
a despeito de que volto a dizer:
"Não há nessa relação nenhuma
reprovação". Talvez tivesse faltado
a malícia de bem colocar a questão
sabendo que as pessoas poderiam
ter um entendimento diverso.
Folha - Vocês já conversaram
agora sobre o que fazer?
Teixeira - Não. Tomei uma cautela de oficiar o PT para esta situação solicitando que cuidem disso.
Folha - O sr. foi advogado do
ex-prefeito de Diadema José Augusto Ramos numa ação na qual se
julga se a Cpem deveria ou não
prestar serviço sem licitação. Seu
irmão advogava para a Cpem no
mesmo processo. Isso é verídico?
Teixeira - É. Eu sempre estive
meio à disposição dos companheiros do PT. Eu dei assistência ao Zé
Augusto quando ele pretendeu
impugnar a candidatura do Gilson
Menezes (ex-prefeito de Diadema). Eu era o advogado que fazia
esse tipo de ação. Mais tarde, o Ministério Público moveu uma ação
contra essa firma e o Zé Augusto
pediu para eu patrocinar a causa.
Folha - O seu irmão assessorou a
Cpem nesse caso?
Teixeira - Isso é descobrir a pólvora. Meu irmão, foi dito desde o
início, foi advogado da Cpem. E se
ele é advogado da empresa, é muito natural que exista alguma procuração dele nos autos. Mas quem
está fazendo realmente a defesa da
Cpem nesse processo é o escritório
do professor Arruda Alvim.
Folha - O sr. construiu sua carreira em São Bernardo. Foi exatamente nessa região que se iniciaram as contestações dos municípios ao índice de repasse do ICMS,
na década de 80. O sr. teve alguma
participação nesse processo?
Teixeira - Não cabe a mim responder a questões técnicas. Eu sei
que São Bernardo teve sempre um
corpo de fiscais altamente competentes. Há muitos anos, uma pessoa de nome Mauro Curvello arregimentou e treinou um grupo de
pessoas. Ele tinha o 4º ano primário, mas era brilhante.
O grupo virou uma referência
nacional. Ele criou uma empresa
para poder terceirizar essa capacidade. E depois funcionários dele
foram montando empresas. Quase
a totalidade de empresas que prestam esse tipo de serviço foram formadas por pessoas que trabalharam ou aprenderam com o Mauro.
Folha - A Cpem é uma delas?
Teixeira - O meu irmão Dirceu
foi por 20 anos funcionário desse
departamento em São Bernardo.
Foi um técnico que aprendeu com
o Mauro. O rapaz que teria montado a Cpem também foi funcionário desse setor e durante muito
tempo foi subordinado ao Dirceu.
Folha - No que consistia a tecnologia do Mauro?
Teixeira - Ele era capaz de,
qualquer que fosse a legislação,
otimizar ao máximo a arrecadação. A legislação tributária é dinâmica, muda muito. Estou em São
Bernardo desde 48, sou advogado,
não sou neófito (novato). Tenho
de conhecer essas questões gerais.
Folha - Quando o PT vai para as
prefeituras, defende uma administração transparente. O que parece
estranho é o PT contratar empresas sem licitação. Pode até haver
uma discussão legal a respeito da
necessidade da licitação. Do ponto
de vista moral, não seria mais correto promover uma licitação?
Teixeira - Não tenho razão para
entrar nesse assunto. Mas posso
dizer que se a prefeitura tem um
instrumento para poder incrementar a sua arrecadação, e isso
tem um tempo curto para que possa ser realizado, acho que o governo municipal cumpriu sua função.
Folha - Mas ele repassa para uma
empresa privada, como taxa de sucesso, 20% do incremento. Não parece estranho? A própria prefeitura não poderia fazer o serviço? Pelo que o sr. falou, os próprios quadros da prefeitura conseguiram
otimizar a arrecadação. Ou não?
Teixeira - São Bernardo é uma
exceção. Lá o grupo era altamente
especializado. Mas evidente que,
quando o meu irmão me procurou, colocou os parâmetros gerais.
Quais eram os parâmetros? Primeiro, há um período curto de
realização do serviço. Se não você
perde. Eles diziam que estavam
dispostos a promover esse trabalho após o dos técnicos da prefeitura. É como se você estivesse garimpando o trabalho feito pela
prefeitura. E sobre isso é que a empresa entrava no resto, do que sobrou do trabalho da prefeitura.
Folha - Isso estava no contrato?
Teixeira - Que eu saiba era disposição contratual. Não entrei no
mérito. Essas coisas são um calhamaço. A empresa trabalhou para
mais de 300 municípios. Cerca de
90% dos municípios trabalham
exatamente daquela forma e com
contratos idênticos. E tem sete ou
oito empresas fazendo isso, a quase totalidade sem licitação.
Por quê? Havia uma deliberação
do Tribunal de Contas dizendo
que era passível de contratação, e a
dispensa ou não segundo a notória
especialização e singularidade.
Depois, o tribunal criou uma súmula entendendo que não era passível de contratação. A súmula foi
mudada agora. Acabo de me valer
de uma dessas sentenças, mostrando que o relator da anterior reviu sua posição dizendo: "Me enganei, todas as prefeituras necessitam desse trabalho".
Folha - Como o seu irmão lhe pediu que procurasse o Lula para expor o serviço da Cpem?
Teixeira - O meu irmão me procurou dizendo que poderia aumentar a arrecadação. Na época as
prefeituras reclamavam da falta de
recursos. Eu disse a Lula: "Meu irmão, que advoga para uma firma,
está propondo um trabalho...", e
foi dito a ele essas questões básicas.
E ele (o Lula) disse: "Ele que encaminhe para todas as prefeituras".
Folha - Em sua nota, o sr. disse
que não houve pressão.
Teixeira - Jamais houve qualquer tipo de pressão. Não houve
uma espécie de blitz. Foi eventual.
Meu irmão ligava e dizia: "Olha,
quem você conhece lá". Aí eu dizia: "Procura fulano de tal, que é
meu amigo". Dessa forma, simples
e diluída no tempo e no espaço.
Folha - Mas não lhe parece que a
pressão estava implícita? O sr. não
acha provável que um prefeito do
PT que recebesse um telefonema
seu fosse achar que havia pressão
do PT? O Lula mora em sua casa, o
sr. é "compadre" dele.
Teixeira - Não. Primeiro eu
acho que a expressão compadre
está sendo usada pejorativamente.
Compadre não é título. Sou um
profissional importante no meio e
não iria me valer de uma forma tão
tosca e ignorante. Tem tantos negócios que giram, valiosíssimos,
será que eu seria ignorante para
me valer do prestígio para uma
coisa tão ignorante? Em Diadema,
a Cpem teria recebido R$ 200 mil.
Você acha que seria suficiente para
fazer uma distribuição?
Folha - Foi o valor que deputados teriam recebido para votar a
favor da reeleição...
Teixeira - (rindo) Mas lá era líquido.
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